Marcio, hoje você está como presidente da Rede. Pode traçar uma retrospectiva de sua jornada, passando pelo histórico de sua relação com o setor da comunicação e o conhecimento acumulado sobre a importância do Terceiro Setor organizado e múltiplo em favor do desenvolvimento social que passou a ser o centro de sua atenção? O que estimulou o nascimento e a continuidade do Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica – FIFE? Fale sobre essa trajetória.
MZ - “Comecei a atuar no Terceiro Setor em 1997, quando um amigo passou por uma situação muito difícil com a perda da filha dele. Neste momento, me pediu para indicar alguma organização para realizarmos um trabalho voluntário, e foi quando comecei a conhecer mais de perto a realidade do setor social.
De 1997 a 2002, segui atuando como voluntário e percebi que muitas organizações precisavam de conhecimento técnico, planejamento, estratégia para se organizarem melhor. Na ocasião, eu já tinha um caminho na área da gestão trilhado com a cabeça pensante de um empresário, trabalhando no ramo editorial, e entendia ser este um caminho eficiente também para entidades sem fins lucrativos. Como tinha uma linha direta também com o segmento da comunicação, em 2002, juntamente com outros parceiros, idealizei, criei e produzi a Revista Filantropia. Esta ferramenta contribuiu com a criação e a expansão da Rede Filantropia. Além das publicações da Revista Filantropia, outras ferramentas contribuíram: a edição de livros; a criação do site como fonte de pesquisa e convergência de informação; a produção de artigos e a realização de eventos - treinamentos, workshops, fóruns, cursos on line etc”.
“Em 2009, quando conheci o então presidente da ABCR, Associação Brasileira de Captadores de Recursos, surgiu a ideia de um evento referência em conjunto – ABCR + Rede Filantropia. Na ocasião nasceu o Festival Latino Americano de Captação de Recursos e, com o tempo, percebeu-se a necessidade de uma maior abrangência. Não apenas um evento para captação de recursos, mas um evento que reunisse vários temas – gestão, recursos humanos, voluntariado, legislação, contabilidade, marketing, assistência social, certificações e também captação de recursos.
Então, em 2012 foi o último ano em que participamos da organização do FLAC (Festival Latino Americano de Captação de Recursos) junto com a ABCR; Em 2014 lançamos, então, o Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica – FIFE. A 1ª edição do FIFE aconteceu em Natal, já com uma abrangência maior de conteúdo”.
No seu entendimento, qual a missão de um Terceiro Setor organizado, antenado e comprometido com as necessidades da população? É um caminho para a promoção da qualidade de vida e de oportunidades para a sociedade, no universo local, regional e nacional? O Terceiro Setor, ocupa um papel de protagonista ou de complementariedade? E a Parceria Público Privada- PPP?
MZ - “Costumo brincar, mas é uma brincadeira muito verdadeira: o terceiro setor deveria ter data para “morrer”, para não existir mais. Vou explicar: toda organização deveria ter no seu estatuto a data em que deveria deixar de existir. Sei que tem um viés de utopia no que estou destacando, porém, imagine que uma organização trabalha com a meta da erradicação da pobreza ou erradicação do analfabetismo em determinada região ou outro tema qualquer; se considerarmos atingir os objetivos que a própria titulação já informa, a partir do momento em que 100% das pessoas estão alfabetizadas, saberemos então que o problema está resolvido e, estando erradicado o analfabetismo (nesse exemplo), não há motivos para se trabalhar novas soluções. Por isso digo que organizações do Terceiro Setor deveriam ter tempo para encerrar. E, a partir desse momento, transferem-se as ferramentas tangíveis e intangíveis para alguma outra causa. Então, a missão do Terceiro Setor é contribuir e buscar a resolutividade dos problemas da sociedade”.
“Eu não concordo muito quando algumas pessoas falam que atuamos onde o Primeiro Setor não consegue estar 100% presente. As falhas são inevitáveis e constantes no Primeiro Setor. O Terceiro Setor está muito mais próximo da sociedade; ele é a sociedade; aqui, é a sociedade trabalhando pela sociedade, sem a presença do governo. O Terceiro Setor faz um papel de complementação de políticas públicas, de políticas governamentais e partidárias até (por que não?), ainda que nossa atuação prioritária sejam as políticas públicas. E o apoio do Segundo Setor, o empresariado, sem dúvida é o vetor principal para os investimentos necessários.
Tenho uma teoria como ideal, o Primeiro Setor deveria legislar, monitorar, fiscalizar e “punir” (quando necessário); o Segundo Setor deveria financiar; e o Terceiro Setor, executar. Várias são as iniciativas que acontecem nesse formato. Por exemplo, as penitenciárias privatizadas. Neste caso, por meio de um regime absolutamente mais eficiente, o Terceiro Setor atua no operacional; o Segundo Setor financia incluindo como parte da mão de obra qualificada, pelos próprios egressos; e o Primeiro Setor emite as regras, fiscaliza e, em caso de necessidade, pune as entidades e faz ajustes. Esse exemplo pode ser estendido aos setores da saúde, educação, assistência social, meio ambiente e preservação; equipamentos públicos de lazer que, por meio de concessão, ganham novos mantenedores, a exemplo do Parque do Ibirapuera, SP, que se apresenta (nesse formato) como uma gestão mais eficiente. É preciso entender a importância das parcerias público privadas – PPPs, quando são feitas com o Terceiro Setor pois passam a ter um viés mais voltado para a sociedade, e não para o lucro”.
O FIFE será realizado pela primeira vez na região Norte não é? Sendo a região amazônica uma área que certamente parcela significativa da população se reúne e se solidariza em diferentes contextos (saúde, educação meio ambiente, causas sociais, projetos sustentáveis, busca por oportunidades etc) relacionados como o objeto do Terceiro Setor, até por se confirmar a ausência do Estado em muitos espaços e municípios da Amazônia, o FIFE pode, em sua décima edição, ser um instrumento de mudança, melhorias e oportunidades. Você concorda?
MZ: “Estamos aguardando o FIFE Belém como o momento da retomada. Ainda que em 2022 tenham se confirmado bons indícios, para 2023 esperamos mais. Pretendemos aumentar a dinâmica e promover oportunidades ao levar esse evento para a região Norte. Esperamos um público presente em peso dos estados da Amazônia e da região Nordeste e Centro Oeste. Nossa maior expectativa é dar a oportunidade e acesso ao conhecimento que o FIFE movimenta”.