O empresário Flávio Costa acabara de chegar de São Paulo, para onde fora após uma passada por Curitiba. Foi uma semana cheia, mas compromisso é compromisso e ele chegou uma hora antes na Confraria do Conjove, no Vegas Club, em Belém, para falar com os jovens empresários sobre a trajetória de sucesso da Mariza Foods, uma das líderes da indústria de alimentação na Região Norte.
Essa incessante disposição para o trabalho transformou o modesto Moinho Modelo, nascido em Castanhal há 36 anos para fabricar colorau, em um dos mais importantes grupos empresariais do País, com um portfólio de mais de 700 produtos, cerca de 2.400 funcionários, com quatro unidades no Pará, uma em São Paulo e uma em Pelotas (RS).
"Não desistam", disse o presidente do Grupo Mais, que comanda com pulso firme seis empresas, em especial a fábrica em Castanhal da antiga Mariza Alimentos, agora Mariza Foods. "Estou mais para Jair Bolsonaro do que para Geraldo Alckmin", brinca ele, comparando os temperamentos do presidente da República eleito com o do candidato derrotado do PSDB para ilustrar a necessidade de ser franco e direto com os funcionários.
Foi com essa fórmula, acreditando que é preciso saber extrair dos homens o que há de melhor neles, que Flávio Costa sobreviveu com agilidade ao humor sazonal da economia brasileira. "São muitos os pulos do gato. Muito mais do que sete, talvez 21", volta a comparar, com humor.
Sob sua liderança, a Mariza Foods foi além do colorau (que ainda fabrica), virou líder de mercado em dezenas de itens, já é o terceiro maior produtor de pêssego do País e está prestes a se tornar o principal fornecedor de abacaxi em conserva, além de faturar com exportações para os Estados Unidos, o Caribe e o Cone Sul e ainda ganhar bons dividendos com a reciclagem. "Não jogamos nada no aterro desde 2014", revela.
Com a agenda cheia, mas bom de conversa, Flávio Costa aceitou falar com a REDEPARÁ minutos antes de se apresentar aos jovens empreendedores da Confraria do Conjove. A seguir, os melhores momentos deste bate-papo com os jornalistas Nélio Palheta e Paulo Silber.
P- O que você tem a dizer para os jovens empresários?
R- A coisa mais importante que tenho a lhes dizer é que não desistam. Motivos não vão faltar, mas não desistam. Empreender no Brasil não é fácil. A própria imagem do empresário foi muito deturpada recentemente, quando éramos governados por um grupo com tendências socialistas que dificultou muito nosso dia-a-dia. Muitos empreendedores que começaram com um pequeno negócio e depois prosperaram, compraram um caminhão, avançaram e construíram um prédio, de repente viram aquele empreendimento morrer, acabar. O caminhão se deteriorou, o prédio quase desmorona. A vida deles foi muito dificultada. Acabou a energia.
P- Ou seja: o jovem empresário é muito pressionado para desistir...
R- Sim, há muita pressão. Muitas provocações. Do governo, das pessoas dolosas. Há uma grande dificuldade de encontar bons profissionais. Não por culpa da nossa população, mas por conta da péssima estrutura que temos no País para preparar o profissional.
P- Então, o que fazer para não desistir?
R- Renovar-se. O tempo todo. O dia inteiro. Diante dos problemas, é preciso ir a fundo, enfrentá-los, não empurrá-los com a barriga. Tem que ir atrás, ir pra cima.
P- Mas como se faz isso no meio da tempestade?
R- Uma das coisas mais importantes é conhecer a sua aptidão, dominar o seu emprendimento, compreender o mercado e, sem dúvida, entender o consumidor.
P- Mas há dificuldades que se impõem. O custo Pará é uma delas?
R- O custo Pará é igual ao custo Brasil. Aqui, na região, ainda pesa muito a questão logística. Nós estamos distantes do mercado consumidor, do mercado fornecedor, da grande maioria da matéria-prima.
P- Como a Mariza superou esses problemas?
R- A gente resolveu mirar naquilo em que o Pará é melhor. Por isso, avançamos no mercado nacional. Fomos atrás. Estamos correndo atrás há 36 anos. Atrás do que o consumidor quer, atrás do que o meu funcionário pode oferecer, atrás da qualidade dos meus produtos.
P- O foco na cadeia de produção, e não apenas em um produto, ajuda?
R- O nosso grupo é bem verticalizado. Por exemplo, nós fabricamos o palmito, mas a gente também planta a lenha que vai cozer o palmito. Na Região Norte tudo é mais difícil. Somos apenas 5% do PIB nacional. Estamos distantes dos grandes mercados. Por isso, resolvemos dominar a cadeia da indústria da alimentação. Atuamos em muitos segmentos e somos os líderes em vários deles.
P- Como uma empresa do Pará conseguiu alcançar esse porte em um mercado dominado por grandes marcas?
R- É melhor concorrer com um cara grande, que tem uma enorme responsabilidade com a marca e com o consumidor dele, do que concorrer com um pequeno. Inclusive, é importante copiá-los, aprender com os grandes. Às vezes, quando a gente vai discutir sobre um produto que vamos lançar, quem é a nossa referência? É o grande, não pode ser o pequeno. Não posso me comparar com o cara que não tem qualidade só porque tem o menor preco. Eu quero chegar cada vez mais perto do grande.
P- O apelo regional ajudou nessa performance?
R- Sim, claro. Nós temos uma identidade muito fortalecida como indústria do Pará. Fomos os pioneiros e os maiores divulgadores, por exemplo, da farinha de tapioca. Sem falsa modéstia. A tapioca era encontrada em uma, duas feiras em Belém. Nós começamos a botar no saco, usar código de barras, começamos a divulgar, e acabou virando uma grande indústria. Existem hoje pelo menos 50 fábricas no Pará da farinha de tapioca. Nós fomos precursores também do molho de pimenta amarela, um produto difícil de desenvolver. Somos a primeira indústria no Brasil a produzir palmito de pupunha e palmito de açaí, que agora são uma febre nacional. Então, a Mariza tem sim uma cara paraense.
P- Existe um debate, hoje, sobre a mudança na rotulagem de produtos. Você é favorável?
R- Os órgaos brasileiros que fazem a legislação da rotulagem do produto nacional já estão entre os mais exigentes do mundo. Se você comparar os nossos rótulos com os rótulos das União Europeia, verá que temos mais informações do que eles, e mais do que os americanos também. Eu acho que não tem muito o que mudar, não.
P- E a ideia da logística reversa da embalagem. Você concorda?
R- Isso é quase impossível. A logística reversa de embalagens preconiza o retorno de embalagens ao centro produtivo (NR: como funcionava, por exemplo, na fabricação de cervejas, antes de aparecerem as garrafas descartáveis). É complicado agora. As empresas têm de ter responsabilidade social com o meio ambiente, têm de buscar o desenvolvimento sustentável, tudo bem. Mas não tem sentido fazer a logística reversa da embalagem como estão defendendo por aí. Como é que eu vou coletar aqui no Pará uma lata de pêssego que eu fabrico no Rio Grande do Sul e devolver pra lá com palmito?
P- Então, reciclar as embalagens é a melhor solução?
R- Sim, é o melhor caminho. A Mariza tem grande preocupação com a sustentabilidade. Tanto é que nós não jogamos nada, absolutamente nada, no aterro sanitário desde 2014. Nada. Nós reciclamos tudo. Temos várias pessoas trabalhando na reciclagem. Nós, inclusive, centralizamos a reciclagem de todas as empresas: da fábrica da Mariza, da produção de água, da transportadora, de todas. E graças a Deus ainda faturamos muito bem, em torno de 3 milhões de reais, só com a reciclagem.
P- Também se tem falado muito da saudabilidade dos produtos. Como a Mariza vê isso?
R- Olha, quem decide o que vai consumir não é industria, é o consumidor. Então, nós temos é que adaptar os produtos ao que o consumidor quer. Se ele quer um produto com menos açúcar, faremos com menos açúcar; se ele quer com menos gordura, faremos com menos gordura.
P- Então você também acredita na produção saudável?
R- Tanto acredito, que a Mariza tem dentro do seu portfólio uma linha de produtos saudáveis, a NatuQualy, exatamente focada nessa linha, com quase 50 itens, em treze categorias, dos cereais aos energéticos, dos açúcares aos integrais. Então, a decisão é do consumidor. Mas é claro que nós não vamos fabricar algo que prejudique o consumidor.
P- Você tem projeto de lançamento de novos produtos?
R- Sempre tem. Muita coisa vem aí. A gente tem que ter a capacidade de lançar produtos e também saber a hora de tirar de linha. Mas nessa balança o peso dos lançamentos tem de ser maior do que o das retiradas. O próprio mercado nos indica. Tem um momento que o mercado deixa de querer determinado produto, por mais que ele já tenha sido um sucesso de vendas.
P- Voltando aos jovens empresários. Você quer que eles o vejam como o cara que foi muito ousado ou como o empresário cauteloso?
R- Quero que me vejam como o cara que foi muito persistente.
P- Qual é o maior desafio hoje para os persistentes?
R- É formar equipes. É um misto de dom com liderança. Tem empresário que tem a capacidade de fazer uma verdadeira lavagem cerebral no colaborador, mas este não é o meu caso. Prefiro formar equipes. Este é um grande potencial que uma empresa pode ter na sua trajetória de sucesso.
P- A Mariza Foods já é uma indústria 4.0?
R- Desde o ano de 2016 nós temos investido muito em automação. Mas a gente ainda está aprendendo. Hoje eu sei que ser 4.0 é muito mais do que botar computador pra rodar, manter uma linha automatizada. Às vezes, a gente enxerga só um lado quando vê, por exemplo, a indústria automobilística fabricando automóveis com robôs. Mas é preciso perceber que por trás daquelas máquinas existe também um batalhão de homens, fazendo revisão, controle, melhoramentos, fazendo acontecer.
P- A indústria 4.0 é, então, uma cultura?
R- Exatamente. É preciso criar essa cultura. Nós já estamos nos preparando e agora, na próxima semana, estaremos dando os primeiros passos para mudar a cultura da empresa. Em primeiro lugar, a gente tem de fazer o quê? Tem de fazer aquilo que a gente prometeu para o consumidor: uniformidade e qualidade no produto. Não adianta somente colocar uma máquina. Tem que ter um padrão e nós estamos correndo atrás desse padrão.
P- E qual o papel do homem nesse contexto de automação?
R- Quando não está na raiz, na base de produção, é ele que vai receber o produto da indústria 4.0. O homem continua sendo a principal ferramenta da indústria 4.0.
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