Quadrinista paraense AD Gomes bateu um papo com a gente e falou sobre sua trajetória processos criativos e sobre a personagem que intitula seu zine a ninja cor-de-rosa Pinku.
RC ". Vamos começarmos, você podia falar um pouco da sua jornada com os quadrinhos. Como você começou? Há quanto tempo? Quais seus primeiros passos?"
Meu interesse por histórias em quadrinhos começou quando eu era criança. Meu irmão mais velho colecionava gibis da Marvel e da Dc. Ele e o meu irmão do meio também desenhavam suas próprias historinhas. Eu absorvi isso deles. Mas eu fui mais curioso e comecei ler gêneros mais variados de quadrinhos. A primeira HQ que eu desenhei seriamente, em folha tamanho A3 e com um layout de HQ profissional, foi "A Cidade dos Robôs", que foi pulicada na revista Catarse Quadrinhos em 2008.
Na época eu fazia faculdade de artes plásticas e participava de um coletivo chamado Catarse. Depois disso, eu desenhei uma história de duas páginas para a revista Quadrinorte e outra de 6 páginas para a revista Baião de Dois. Ambas editadas por Josenildo Silva. Continuei criando minhas historinhas de maneira descompromissadas.
Apesar de ser muito fã de super-heróis uniformizados, minhas histórias não obedecem muito bem esse modelo. Gosto de fazer historias com lutas, tiroteios, piadas e mulheres bonitas. Estive um tempo com a equipe do estúdio O Mágico Se e desenhei algumas tirinhas de "Jorge, O Astronalta Perdido" e outras do meu próprio personagem, "Caititu Bob" (Detetive Caititu), que era um porco detetive que vivia em um mundo em preto e branco.
Criei, em parceria com Everton Leão e o finado Michael Rocha, as histórias violentas de "Escória o Maldito sem Sangue", que seria publicada pelo estúdio Muirak, mas ainda não aconteceu. Escoria é um motoqueiro com rosto de inseto que caça criminosos na suja cidade de Gileade e faz picadinho deles.
Depois de participar do Beco dos Artistas na "Feira Panamazonica do Livro e das Multivozes", resolvi que eu tinha que ter um fanzine para vender nos próximos eventos, afinal eu me considero um quadrinista. Então desenhei uma história nova, juntei com algumas que eu já tinha desenhado há algum tempo e montei o fanzine Pinku.
RC. "você trabalha só com isso atualmente? Você pode dizer que você sobrevive apenas de quadrinhos?"
Não. No momento eu trabalho no Muirak Studio, um estúdio de animação onde fazemos uma série se coisas relacionadas a artes digitais. O que significa que eu sobrevivo apenas de arte, mas não de histórias em quadrinhos.
RC. "As empresas apoiam bastante? Ou são reticentes e é necessário haver um convencimento?"
Os quadrinhos no Brasil vêm ganhando cada vez mais espaço no cenário cultural (já estão até fazendo filmes baseados em quadrinhos nacionais), mas ainda não é comum, empresas verem nessa mídia uma grande oportunidade de divulgação da sua marca.
RC. “E a ideia de ser independente? Você acha que tem uma vida financeira melhor por ser independente e lançar seus livros pela sua própria editora ou seria mais vantajoso ter uma editora?”
As editoras ficam com a maior parte do lucro de vendas. Por isso, financeiramente, é bem mais viável publicar por conta própria. No entanto, quando o artista publica por conta própria, ele também tem que divulgar e vender sua revista por conta própria. O que o leva a se tornar, além de um artista, um empreendedor.
RC. "Mas agora falemos da 'Pinku'. Fale um pouco sobre ela, antes de eu começar a perguntar sobre…”
Eu participei talvez por uma semana da sociedade, Açaí Pesado. Em algum momento surgiu uma brincadeira onde se sorteavam desafios para que cada artista desenvolvesse uma história de quatro páginas. O meu desafio era usar um ninja que vestia cor-de-rosa e tinha a missão de matar uma pessoa comum. Foi quando eu criei a Miko Shinobi e desenhei essa história em que ela precisava justamente assassinar um desenhista de histórias em quadrinhos. A partir disso eu comecei a desenvolver o histórico da personagem e depois rabisquei histórias de uma página só como forma de exercício. Sr. Nagib tem nove páginas e foi a última história que desenhei da Miko. Eu pensei em mudar a cor da roupa da Miko, mas a cor que melhor combina com ela é a cor-de-rosa.
RC. "Uma das características mais legais do seu quadrinho é justamente a parte da linguagem. Como você pensa a linguagem dos quadrinhos?"
Eu acredito na peculiaridade das HQs. Existem coisas que só podem ser feitas nas páginas de uma história em quadrinhos (em termos visuais) e isso deve ser explorado. Will Eisner, Esteban Maroto, Frank Miller. Esses são exemplos de artistas que exploraram muito bem essa peculiaridade dos quadrinhos. Por exemplo, os requadros, as linhas que envolvem a tomada e limitam o seu espaço, podem ser dispensados e o seu conteúdo pode invadir as outras tomadas. Você pode pensar uma página (às vezes duas) como uma única composição onde cada tomada perde a sua individualidade. Assim, além de contar a história, as páginas por si só já se tornam uma atração à parte. Eu procuro fazer isso sempre que julgo cabível.
RC. “E como você pensa a paleta de cores e as texturas? Como é seu processo? Manual? No computador? Em ambos?”
No fanzine tem essas histórias de uma página só que eu chamei de Rápidas e Mortais. Elas foram feitas com pincel no papel A4. Inclusive eu tenho uma trava com papel caro. Eu só fico a vontade desenhando quadrinho em papel comum. As outras histórias eu desenhei no computador. Quando as desenhei eu tinha algumas coisas em mente. Tudo tinha que ser feito da maneira mais simples possível para economizar tempo, por isso o estilo cartoon. E as tonalidades do cinza deviam ser clarinhas para economizar toner na hora de imprimir. Então eu usei três ou quatro tons fixos de cinza para cada história e dei um retoque com as texturas, fazendo a luz, sombra e os volumes. Procurei fazer algo um pouco solto, parecido com o trabalho de Jefferson Costa na revista Jeremias Pele, mas não solto demais porque isso não funcionaria bem comigo.
RC. “E como você vê a reação das pessoas em relação aos seus quadrinhos?”
O que mais me agrada quando alguém lê minhas histórias são as risadas. Meu objetivo principal não é provocar no leitor um sentimento de revolta contra um tipo de situação social, nem vender uma opinião política. Faço histórias apenas para divertir. E, pelo que meus leitores me disseram, eu consegui isso, além de surpreendê-los com o nível de qualidade técnica das histórias. Isso me deixa mesmo muito feliz.
RC. "E? para terminar o bate-papo, tem alguma coisa que você queira dizer pro pessoal que está lendo essa matéria?”
Charles Bukowski contou em um de seus livros que uma vez lhe perguntaram o que fazer para se tornar um poeta. Charles lhe respondeu que poeta já nasce feito. Não se trata de arrogância, se trata de uma condição alheia às deliberações do indivíduo. Quando a poesia, o desenho os quadrinhos te escolhem, você não tem como fugir. E se você tem o desejo de ser quadrinista, entenda que você precisa gostar muito de quadrinhos e de outras formas de ficção. Você tem que gostar muito de praticar desenho e escrita (ou pelo menos escrita, caso queria ser roteirista). A verdadeira arrogância é esperar que lhe digam: “nossa! Como você fez algo tão bom sem nunca ter estudado ou praticado?” Então, como diria o filosofo contemporâneo ET Bilu, busquem conhecimento.