Inspirado no livro de fotografias “O Lago do Esquecimento”, da fotógrafa Paula Sampaio, o filme é narrado pelo próprio diretor, Fernando Segtowick, que inicia uma reflexão ao se deparar com uma das fotos do livro, onde uma árvore que boia no lago, é semelhante a uma forma humana se afogando. Ele decide então ir à Tucuruí, em busca dos personagens do livro de Paula. Nesta entrevista exclusiva para o Rede Comics, Fernando Segtowick fala um pouco do processo criativo que guiou a realização do documentário que foi indicado para participar da Mostra Panorama do 70° Festival De Berlim. Entrevista por Márcio Crux
Rede Comics - O filme Reflexo do Lago surge a partir do livro "O Lago do Esquecimento" da fotografa Paula Sampaio, livro que ao mesmo tempo que é documento também é denúncia. Conte-nos um pouco dessa história que norteia a trama e como ocorreu a adaptação do livro para a linguagem audiovisual.
Fernando Segtowick - Na realidade acho que esse filme começou comigo há muito tempo atrás, visto que venho de uma família de engenheiros, meu pai é engenheiro eletricista e eu mesmo estudei engenharia elétrica por quatro anos, antes de migrar pra comunicação social, jornalismo e agora audiovisual. Claro que quando vi o livro da Paula, que é uma amiga de muitos anos, fiquei impactado pela questão visual do projeto e pela força das narrativas. Eu sempre achava que iria fazer um documentário sobre a transamazônica – que é um lugar que me chama muita atenção – mas quando vi o “O Lago do Esquecimento” pensei porque não se falar em Tucuruí. Na época, 2015 mais ou menos, só se falava em Belo Monte ou nas hidrelétricas do Rio Madeira. Mas eu sempre pensei que era importante voltar ao passado para entender o presente. O mais legal é que a Paula sempre me deixou muito à vontade pra eu criar um filme inspirado no livro, mas do jeito que eu quisesse. Tanto que o filme virou a história de um diretor e de uma equipe que chegam ao lago para fazer um documentário sobre a região.
RC - Fale-nos um pouco do processo criativo do filme tanto pré como na produção do filme. No site da sua produtora Marahu lemos que este é um projeto que tem mais de três anos, é um projeto longo o tempo nessas condições é mais amigo ou mais inimigo do realizador?
FS - Mesmo se tratando de um filme com um tema histórico, ambiental e social tão forte, queria o documentário tivesse uma pegada mais cinematográfica. Sem entrar muito em detalhes, já que eu quero muito ver a reação das pessoas depois da exibição do filme, posso falar que o formato de documentário ambiental tradicional, com muitas entrevistas e dados, não me chamava a atenção. A grande questão criativa pra mim do filme é essa como conciliar um filme dessa temática sem ficar preso a fórmulas pré-estabelecidas. Desde 2016, nós vamos no lago em busca de personagens, entendendo o território, entrando na história da região. Não sei dizer para todo mundo, mas pra mim foi fundamental esse tempo do filme, pra poder realmente criar uma conexão com esse lugar. E, principalmente, para poder pensar na proposta narrativa do documentário.
RC - O processo de pós-produção, geralmente é um processo mais demorado e que se tratando de documentário é capaz até de mudar roteiros e concepções originais. Conte-nos um pouco desse processo criativo e da rotina da montagem e da pós-produção que são muito específicos. Teve alguma diferença desse trabalho para outros que tu já realizaste?
FS - Uma das minhas vontades pessoais nesse processo era trabalhar com um montador com mais experiência que eu, principalmente, no meu primeiro longa. Encontrei essa parceria com o Frederico Benevides, do Ceará, que montou “Corpo Elétrico, “Chão”, entre outros filmes brasileiros, alguns de primeiro diretor também. Eu pessoalmente gosto de ter uma pessoa me questionando, me tirando da zona de conforto. Posso dizer sem dúvida que esse filme é completamente diferente de meus outros trabalhos, o que é ótimo, porque cada obra deve ter sua história e tem um lugar muito especial na minha trajetória. No Reflexo, só o fato de eu ser um personagem no filme, muda tudo, até porque é algo que nunca fiz.
RC - O filme teve financiamento público pelo PRODAV 03 e PRODECINE 05, são financiamentos públicos que levam o cinema produzido no Brasil a ser destaque em festivais internacionais nos últimos anos. Diante de todo o retrocesso com o qual a política federal vem tratando a cultura, qual a perspectiva para o futuro que tu tens diante desse contexto político tão massacrante que vivemos atualmente?
FS - Esse filme, sem dúvida, é resultado direto desses editais e da política pública de descentralização de recursos, como a cota de 30% para a região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No caso específico do audiovisual a maioria dos projetos demora anos entre concepção, financiamento, produção, pós e lançamento. Os filmes que estão sendo lançados agora foram de uma safra de editas de 2-3 anos atrás. Logo não é difícil pensar o que será o cenário nos próximos anos.
Nos últimos anos, o Pará teve acesso a vários editais e projetos, e acho que isso foi fundamental para uma crescida na nossa produção. Acredito que a hora também é de batalhar políticas em outros níveis, seja estadual ou federal para que esse movimento todo não se perca.
RC - O Filme foi indicado ao Festival de Berlin para a Mostra Panorama junto com outros três filmes brasileiros. Como você analisa a importância dessa indicação para o audiovisual produzido no Norte do País?
FS - Mais uma vez acho que isso está diretamente ligado a uma política pública de financiamento e descentralização de caráter federal. Sem esse cenário, a gente continua tendo muita dificuldade de acesso a financiamento. Espero que a seleção do filme possa provocar um impacto na construção de políticas públicas regionais, estaduais ou municipais para que nossa dependência dos editais federais seja menor.
Sinopse: Na década de 1980, a maior represa hidrelétrica da floresta amazônica foi construída na cidade de Tucuruí, a fim de fornecer energia para a indústria do alumínio. Quarenta anos depois, as pessoas que vivem no arquipélago do rio Caraipé, ainda não tem acesso à eletricidade em suas casas. Um cineasta e sua equipe chegam ao local para filmar os resultados da busca do homem pelo desenvolvimento refletida em uma comunidade que vive com traços de desmatamento por décadas.