Ocupando o cargo-chave, Nayara Barbalho admite que há muito o que avançar, apesar da publicação, em 22 de maio, da lei estadual 9.061/2020, que institui a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (PEPTEA) e da consequente criação do Sistema Estadual de Proteção dos Direitos dos Autistas e do Centro Especializado em Transtorno do Espectro Autista do Estado (Cetea).
Conforme diz, faltam muitas informações e profissionais qualificados para atuar na área, além de maior interação interinstitucional, entre outros problemas não menos preocupantes. Nada que assuste essa integrante da Comissão Especial para o Autismo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) – e mãe de um menino de seis anos portador de TEA, o caçula dos três filhos.
“Passei a olhar para o lado e descobri um mundo fantástico de luta e superação”, declarou ela sobre o que mudou em sua vida, após uma consulta de rotina com uma pediatra. “Certamente me tornei uma pessoa melhor”, garante.
A coordenadora aguardava com grande expectativa para hoje, 2 de julho, a sanção do projeto de lei 1.562/2020, de autoria do deputado federal Pedro Lucas Fernandes (PTB/MA) que, ao alterar a lei 13.979 desse ano, permite, entre outros tópicos, a flexibilização do uso de máscaras por pessoas com autismo. Sua avaliação é que a lei possibilitará que sejam evitadas “situações constrangedoras”.
Segundo ela, cerca de 80% das pessoas com o transtorno têm disfunção no processo sensorial, tornando-se mais sensíveis e propensas a manifestar aversão ao uso dessas peças de proteção facial, recomendáveis para a prevenção ao novo coronavírus.
De acordo com informações da assessoria do parlamentar, caso Jair Bolsonaro não formalize o ato nessa quinta-feira, em cumprimento ao prazo legal, poderá ocorrer a chamada “sanção tácita”. “A Constituição confere ao silêncio do presidente da República o significado de uma declaração de vontade de índole positiva”, diz um comunicado enviado ao REDEPARÁ.
“Assim, decorrido o prazo de quinze dias úteis sem manifestação expressa do Chefe do Poder Executivo, considera-se sancionada tacitamente a lei”, completa o informe ao portal. Acompanhe a seguir a entrevista exclusiva com a titular da Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo (Cepa), que funciona como uma nova divisão vinculada à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa).
REDEPARÁ – Quais são os maiores desafios para implementar políticas públicas em favor da população com TEA?
Nayara Barbalho – Os maiores desafios são a falta de qualificação profissional, bem como termos no Brasil duas orientações de rede de atendimento na área da saúde – rede de atenção psicossocial e a rede de reabilitação a pessoa com deficiência – que, historicamente, não convergem no atendimento à pessoa com TEA por serem duas perspectivas distintas.
REDEPARÁ – Para viabilizar maior e melhor assistência no Pará, que problemas mais significativos foram identificados?
Nayara Barbalho – Os mesmos do Brasil: faltam dados, qualificação profissional, necessidade de atuação intersetorial da rede de atendimento, não só entre os setores saúde, educação e assistência social, mas também na cultura, esportes, lazer etc.
REDEPARÁ – O que a sua coordenação já tem a oferecer logo no início dos trabalhos?
Nayara Barbalho – Em menos de trinta dias de criação da Cepa, já iniciamos o mapeamento dos serviços que atendem pessoas com TEA, lançamos o Programa de Capacitação em parceria com a EGPA [Escola de Governança Pública do Estado] e estamos elaborando um projeto que será apresentado em algumas instituições como forma de pactuar possibilidades de assistência aos jovens e adultos com TEA.
REDEPARÁ – Como oferecer um trabalho diferenciado, antenado com novas técnicas e propostas inovadoras?
Nayara Barbalho – Para fazer um trabalho diferenciado e promover ações adequadas, precisamos compreender o funcionamento das redes de atendimento ao TEA em nosso Estado. A coordenação pretende estar presente nesses serviços, mantendo seus canais de comunicação abertos para todos os envolvidos nesse processo de cuidado. Além disso, a lei estadual inova ao trazer o atendimento e capacitação baseadas em práticas com evidências científicas. Significa dizer que a pessoa com TEA e seus familiares terão maior qualidade e efetividade nesse atendimento.
REDEPARÁ – Qual o planejamento a curto, médio e até longo prazo?
Nayara Barbalho – É mapear e estruturar a rede de atendimento, zerar a fila por diagnóstico, capacitar os profissionais e familiares e criar um “Protocolo de Atendimento a Pessoa com Autismo do Estado do Pará”.
REDEPARÁ – Nessa quinta-feira, dia 2, deverá ser sancionada a lei que permite flexibilizar o uso de máscaras para um público diverso e sensível, em que estão inseridos os portadores de autismo, com base no projeto de lei 1.562/2020. O que representa isso? Quais as orientações e cuidados na prevenção ao novo coronavírus, já que ocorrem reações adversas dessas pessoas com disfunção sensorial para o uso desses itens?
Nayara Barbalho – A sanção dessa lei representa o cumprimento de políticas públicas que visam a garantir o direito a dignidade da pessoa com TEA e seus familiares a não serem expostos a situações constrangedoras. Apesar de apresentarem muitas características em comum, as pessoas com TEA demonstram sinais diferentes de disfunção sensorial. É importante que a família mantenha um diálogo frequente com os profissionais que acompanham essa pessoa, como forma de pensarem em conjunto nas estratégias que serão utilizadas para a adaptação no uso de máscaras. Importante lembrar também que ainda estamos em pandemia, e, por medidas de segurança, é fundamental que haja bom senso para possíveis tentativas.
REDEPARÁ – A senhora falou em "situações constrangedoras". Já sentiu isso na pele?
Nayara Barbalho – Sim, aliás faz parte do nosso cotidiano.
REDEPARÁ – A saída é ignorar para superar ou enfrentar com atitude?
Nayara Barbalho – A única saída é a conscientização. Com ela, garantimos a inclusão.