Unidade federativa que mais exporta minério no Brasil, o Pará deixou de faturar uma quantia bilionária nos últimos 24 anos. Ou seja, desde que a ‘Lei Kandir’ entrou em vigor em 1996, isentando a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre exportações de produtos primários, o estado perdeu um montante que - se tivesse passado por um ‘crivo’ de tributação mais justo -, teria sido transformado em grandes investimentos para diversas áreas no estado.
O tributarista também aponta a necessidade de uma força-tarefa entre os estados onde a atividade mineradora tem um peso significativo. Esse pacto federativo se faz necessário para que os paraenses e todo o povo brasileiro consigam receber uma real contrapartida daquilo que é extraído do solo e muitas vezes se perde além das fronteiras.
Confira a entrevista:
REDEPARÁ: Qual o impacto da Lei Kandir para a arrecadação do Estado do Pará?
HP: Quando veio a Lei Kandir, ela não atingiu diretamente o Pará porque o Pará não tinha uma exportação muito importante na sua conjuntura econômica. Então a exportação não era o grande carro-chefe da economia do Pará. O problema foi que, com os anos se passando, a privatização da Vale deu à Vale uma nova dimensão: uma empresa global que passou a participar do mercado mundial do minério de ferro. E os investimentos na exportação mundial do minério de ferro se avolumaram, e com isso, o Pará cada vez mais passou a ser o principal estado de exportação de minério do mundo.
REDEPARÁ: O Pará perdeu 40 bilhões com a Lei Kandir nesses últimos 24 anos?
HP: Eu acho que o Pará perdeu muito mais. Porque se nós formos olhar apenas o que o Pará exporta hoje. Hoje Pará... ano passado, 2020, o Pará exportou cerca de 20 bilhões de dólares. Ora, 20 bilhões de dólares, com o dólar um pouco a mais de 5 reais, dá mais de 100 bilhões de reais. Se nós colocarmos uma alíquota de ICMS de 17%... mas vamos colocar uma alíquota média de 12, 13%, nós estamos falando de 13 bilhões por ano. Então esse número de 40 bilhões ainda é muito pequeno, perto do volume que a exportação assume no estado do Pará.
REDEPARÁ: Como surgiu a ideia de criar a Taxa Mineral?
HP: Quando houve a desoneração das exportações em 97, a própria Lei Kandir previu um escalonamento de uma certa compensação para os estados, em função das perdas que os estados teriam com a não incidência de ICMS. E o Governo Federal, a partir de 98, cumpriu parcialmente essa desoneração, no entanto a lei previa apenas 5 anos de compensação. E, a partir de 2002 - 2003, o governo federal parou de compensar. Veja, o governo federal tira a tributação do ICMS, promete uma compensação, começa a pagar a compensação e para de pagar. Paralelamente, o Pará dá um salto na exportação. O Pará que exportava pouco, com a privatização da Vale, começa a dar um salto na exportação. Então a gente perde o ICMS, justamente no momento em que nós nos tornamos um grande estado exportador, por isso o prejuízo que o estado do Pará começa a ter, a partir de 99 - 2000, com a não compensação. E, realmente, foi um momento muito difícil do ponto de vista das finanças públicas. Então era preciso fazer alguma coisa diferente. E o governador Jatene, naquela altura, eu era Secretário Especial de Gestão e Vice-governador, conversando com ele, eu disse: “governador, podemos tentar... vamos tentar articular, vamos fazer um projeto”. E nós trabalhamos juntamente com o pessoal de Minas Gerais, nós trabalhamos para criar uma ideia de uma taxa mineral que pudesse tributar o volume da exportação de minério.
REDEPARÁ: Qual a importância da Taxa Mineral para o Pará e outros estados?
HP: A taxa do jeito que está hoje, ela é definida como uma taxa de fiscalização de poder de polícia dos estados. Eu acho que essa taxa hoje está espraiada pela Brasil todo, e vários estados mineradores estão cobrando essa taxa e tudo isso, evidentemente, vai depender do julgamento que o Supremo vai fazer da taxa no dia 14 de abril.
REDEPARÁ: Sobre o julgamento do Supremo, caso Minas perca, todos vão perder?
HP: Eu não tenho a menor dúvida de que esse julgamento... inclusive o que vai ser julgado é a taxa de Minas Gerais. Porque a nossa taxa foi impugnada num processo, a de Minas em outro processo, o Amapá em outro processo... então várias taxas foram impugnadas, mas o processo que andou mais rápido foi o de Minas. Estamos tentando criar uma alternativa histórica para que o povo do Pará tenha algum tipo de contrapartida real. E nesse caso, não é uma contrapartida exagerada, não é uma contrapartida absurda. É uma contrapartida até pequena, perto da dimensão da riqueza que é retirada do solo paraense e que não voltam graças a esse Lei Kandir, não volta ao povo do Pará.
REDEPARÁ: Qual a importância da manutenção da Taxa Mineral para o estado do Pará?
HP: O estado investe em tudo, com muito esforço e operação de crédito (empréstimos), um bilhão e duzentos. Ele vai passar a receber, só de taxa, em torno de 2 bilhões de reais. No início, porque isso tende a aumentar com o aumento da exportação mineral, esse número tende a aumentar inclusive. Então veja, é quase o dobro de uma rubrica só, é quase o dobro de tudo aquilo que o estado investe hoje.
REDEPARÁ: O valor da taxa paga pelas mineradoras é justo diante de seus lucros?
HP: Como nós estamos com as comodities, que é o minério de ferro, com os mais altos índices da história e o dólar com os mais altos índices da história. Portanto para as mineradoras, exportar minério de ferro virou um grande negócio. E o Pará é a maior província mineral hoje do planeta. Então nós temos hoje um cenário muito positivo. Hoje o estado cobra em torno de três reais e alguma coisa por tonelada. Com a recente medida tomada pelo governador, nós vamos cobrar onze reais e alguma coisa. Ora, se nós fizermos uma conta de onze reais pela tonelada que está sendo exportada, nós vamos chegar a mais ou menos 1% do valor do minério, ou seja, resumindo... o Pará está cobrando 1% daquilo que a mineradora exporta de um recurso natural não renovável. Não dá pra dizer que 1% daquilo que é exportado é algo irrazoável.