CRISE DE ENERGIA
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Estado se vê à beira do colapso com suspensão de fornecimento pela Venezuela e tenta se livrar do uso de termelétricas, que geram conta de R$ 2 bilhões para o bolso dos brasileiros.
Duas das três soluções mais cogitadas para garantir a distribuição de energia elétrica firme para os 576,6 mil habitantes de Roraima já receberam sinal verde do governo federal. Da reunião com o presidente da República, na tarde de segunda-feira (22), o governador Antonio Denarium saiu com duas promessas e uma incerteza.
O primeiro compromisso assumido por Jair Bolsonaro é de que até agosto começam as obras do linhão de Tucuruí, que será estendido de Manaus (AM) até Boa Vista (RR), conectando Boa Vista ao Sistema Interligado Nacional. O segundo compromisso é de que até 31 de maio será realizado leilão para fornecimento de energia alternativa para aquele Estado, nas modalidades solar, eólica e de biomassa.
A incerteza é se Roraima voltará a contar com a energia importada da Venezuela. O fornecimento, que é feito ao Brasil desde 2001, foi interrompido desde 7 de março, poucos dias após o fechamento da fronteira entre os dois países. Mas a suspensão já era uma ameaça real em setembro do ano passado, prazo estipulado por Nicolas Maduro para que o governo brasileiro pagasse uma conta de 30 milhões de dólares relativa a essa importação.
Em negociações desde aquela época, o Brasil alega que o pagamento foi feito mas devolvido pelo banco onde fora depositado por pressão do Federal Reserve, o banco central norteamericano, em função das sanções econômicas impostas à Venezuela pelos EUA.
Para não ficar no escuro, Roraima passou a depender exclusivamente da energia gerada em quatro estações termelétricas. O custo dessa solução é de R$ 2 bilhões e é pago por todos os consumidores brasileiros, como subsídio incluído nas contas de luz.
APAGÕES - Por dia, as usinas termelétricas consomem mais de 1 milhão de litros de óleo diesel, com um gasto estimado em R$ 3 milhões. Sim, por dia. Esta conta é incluída na quota de subsídios da conta de luz previstos na Conta de Desenvolvimento Energético, que incluem os custos do combustível usado na geração térmica nos sistemas isolados. Em 2019, a CDE tem R$ 749 milhões reservados para o atendimento de Roraima, valor que poderá chegar a R$ 2 bi.
O uso das termelétricas, embora gerem energia mais cara e poluente, derivam do fato de que secou a fonte do fornecedor mais barato, a Venezuela, que vive uma crise econômica abissal, cujos reflexos afetam a produção do complexo o complexo hidrelétrico de Guri/Macágua,, em Puerto Ordaz.
É destas hidrelétricas que, desde 2001, vêm 70% da energia consumida pelo Estado de Roraima, provenientes de um acordo de importação assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas a produção de energia venezuelana tornou-se tão precária nos últimos anos que viraram cotidianos os apagões nas cidades venezuelanas e, consequentemente, em Roraima. No ano passado, foram registrados 72 blecautes com mais de meia hora no fornecimento de energia elétrica no Estado.
O apagão mais recente na Venezuela durou oito dias, forçando Nicolas Maduro a determinar um racionamento de 22 horas sem energia por semana, a ampliação do feriado de Páscoa para toda a Semana Santa e o encurtamento da semana de trabalho dos 3 milhões de funcionários públicos do País.
ÍNDIOS - O linhão de Tucuruí, que poderá resolver definitivamente o problema, foi licitado em 2011 pela Agência Nacional de Energia Elétrica, mas as obras sequer começaram, porque emperraram na licença ambiental, pois as obras do linhão passariam pela reserva indígena Waimiri-Atroari, em Roraima. O projeto visa criar uma linha de transmissão de pouco mais de 700 km entre Manaus (AM) e Boa Vista com 1.140 torres para colocar Roraima no SIN.
As lideranças indígenas refutam a acusação de que seriam responsáveis pelo atraso e afirmam que governo tem se recusado a dialogar com comunidades, segundo o Instituto Sócio-Ambiental (ISA).
A consulta prévia às comunidades indígenas sobre qualquer medida que afete suas terras está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vêm confirmando a aplicação do tratado em várias decisões. Já a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas fala na necessidade do "consentimento" dessas populações para esse tipo de obra.
O governo federal afirma que o impacto ambiental sobre a Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari seria mínimo, pois o linhão acompanharia o eixo da BR-174. No entanto, será necessária a implantação de 250 torres de transmissão, ao longo de 125 km dentro da área. Cada torre terá uma base de quase 50 por 50 metros, devendo manter uma distância de segurança da estrada, além de acessos permanentes para manutenção, com o que a obra e o desmatamento exigido irão muito além da faixa de domínio da rodovia.
“A energia seria levada de Manaus a Boa Vista, mas o projeto não prevê o suprimento de eletricidade para os índios e para outras comunidades da região”, adverte Márcio Santilli, sócio fundador do ISA. "O benefício seria inegável para a população de Roraima, mas os índios ficariam com os impactos sem ter qualquer contrapartida, o que - obviamente - requer compensações”, completa.
O temor dos Waimiri Atroari é que ocorra uma nova tragédia em função da incapacidade do Estado de mitigar e impedir os impactos que toda grande obra costuma provocar na Amazônia: imigração descontrolada, disseminação de doenças, aumento da violência, garimpo, conflitos e invasões de terras.
“Ficamos todos preocupados. Todos nos perguntamos: vai se repetir o que aconteceu na década de 70?”, questiona Marcelo Euepi Atroari, relata o site do ISA. Ele reforça que os índios exigem apenas as compensações devidas pelos impactos da implantação do linhão e que seja respeitado seu direito à consulta. “O governo mesmo não fala da compensação. Só quer passar a linha”, adverte.
O trauma do genocídio ainda está marcado na memória dos índios Waimiri Atroari. Eles somam hoje 2 mil pessoas mas foram reduzidos a apenas 350 indivíduos após a morte de mais de 2,5 mil deles, em consequência da construção da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, e das violências praticadas pelo governo militar para dobrar sua resistência à obra, nos anos 1970.
SOBERANIA - A resistência dos índios está sendo driblada por Bolsonaro. Com o fechamento da fronteira e o hiato de fornecimento de energia por Maduro, em março, o presidente da República convocou o Conselho de Segurança Nacional, que referendou a decisão de tornar o linhão de Tucuruí rumo a Boa Vista um empreendimento um assunto de segurança nacional.
A estratégia permite ao governo federal atropelar o impasse com os índios, aplicando decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal, que considera que o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da soberania.
Para o governador do segundo Estado com maior votação proporcional em Bolsonaro nas eleições para presidente, o chefe do Executivo federal garantiu que as obras do linhão começam em 30 de junho. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, André Pepitone, afirmou que é possível concluir as obras em 2 anos e meio.
Outra alternativa aventada é a retomada dos estudos para a construção da Hidrelétrica de Bem Querer. Mas mesmo que fosse aprovada e seguisse todos os trâmites necessários a uma obra desse porte, que inundaria uma área de 519 quilômetros quadrados para produzir sete vezes menos que Belo Monte, a hidrelétrica só estaria pronta em 2027, com aportes de 6 bilhões de reais que só poderiam ser leiloados a investidores em 2021.