Lições da história

Produtores apostam no plantio irrigado para fortalecer ciclo do açaí

Pará é o maior produtor do País, mas é preciso ampliar produção para não repetir a derrocada da borracha

O Pará é hoje, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o maior produtor de açaí do País, respondendo por 98,3% da produção. No ranking nacional dessa produção, os 20 primeiros colocados são municípios paraenses, sendo o primeiro deles Igarapé-Miri, com cerca de 305,6 mil toneladas ao ano (28% de toda a produção do Brasil), seguido por Cametá, Abaetetuba, Bujaru e Portel.

Um grupo de mais de 30 produtores rurais acredita que essa performance no mercado pode melhorar e uniu forças para isso, fundando a primeira Cooperativa de Plantadores de Açaí Irrigado de Terra Firme do Brasil. O objetivo é trabalhar de forma cooperada para suprir a demanda da falta de açaí na entressafra, quando o produto desaparece quase por completo.

A ideia dos produtores é estimular o plantio de mudas de açaí irrigado em terra firme, aumentar a produção e abastecer não só os vendedores e batedores artesanais, as fábricas e restaurantes locais, mas também, a cadeia de exportação e consumo em grande escala, esperando assim contribuir para o desenvolvimento sustentável e econômico do Pará que hoje se sustenta do açaí de várzea.

Os produtores paraenses, as instituições de pesquisa e o próprio Governo do Estado perceberam, porém, que o desafio é maior do que parece. É preciso proteger o novo ouro da Amazônia e evitar que o “Ciclo do Açaí" seja quebrado como aconteceu há cerca de 100 anos, com o Ciclo da Borracha, cujo período áureo foi entre 1879 e 1912.

O empresário do ramo da gastronomia, Nazareno Alves, juntamente com o pai, Manoel Aires, mantém uma área de plantio com 50 hectares de açaí irrigado no município de Igarapé-Açu, onde tem outros plantadores desenvolvendo a mesma técnica. Ele lembra que o Pará ganha cada vez mais notoriedade através da gastronomia e o açaí é o ingrediente principal desse cardápio.

“O açaí atravessou as fronteiras mundiais. Polpas, sobremesas, sorvetes e até o produto em pó, tal diversidade levou o açaí a um lugar de destaque na culinária sofisticada nacional e internacional. Está também nos cosméticos, na indústria de energéticos, nas recomendações de tratamento de saúde. É o novo ouro da Amazônia”, garante o empreendedor, que nasceu em uma aldeia indígena em Roraima e venceu muitos desafios com a família até perceber que a floresta tinha o que precisava para sua sustentabilidade.

Pesquisadores lembram ciclo da borracha ao tratar do açaí

Produtores paraenses se reuniram no último dia 3 com pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Embrapa Amazônia Oriental, Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e Federação do Comércio do Estado do Pará  (Fecomércio), com intermediação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme), para tratar do Ciclo do Açaí.

Durante o encontro  foi lembrado o momento histórico, conhecido como “Ciclo da Borracha” ou “Belle Époque”, que deixou à Amazônia e ao Pará um belíssimo tesouro em arquitetura de época, como o Theatro da Paz e o Palácio Antônio Lemos, em Belém, Fordlândia e Belterra, na região do Tapajós. Manaus ganhou o Teatro Amazonas e o Brasil um imensurável legado social, artístico, histórico e cultural. Nesse período, foi criado o Território Federal do Acre, atual Estado do Acre, uma área adquirida da Bolívia por 2 milhões de libras esterlinas, em 1903, dinheiro das seringueiras amazônicas.

Mas, riquezas à parte, o descuido governamental e empresarial com seu tesouro e a desatenção da época com a concorrência fez com que, ao subestimarem também as necessidades do homem e as exigências da natureza, perdessem o controle da cadeia produtiva do látex. O plantio das seringueiras exigia tecnologias. O trabalho humano necessitava de sustentabilidade.

Na época, a Amazônia era responsável por quase 40% de toda a exportação brasileira de borracha e o Brasil faturava com a venda do produto, pago em libra esterlina. Até que as sementes das seringueiras foram levadas da Amazônia pela Inglaterra e plantadas na Malásia, Ceilão e África tropical, competindo com a borracha da Amazônia, que passou a ter um preço proibitivo no mercado mundial.

Ainda assim, em meados de 1912, o governo despertou e concluiu a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para escoar a produção. Um grande investimento foi feito também em Fordlândia,  um “pedacinho dos Estados Unidos, na década de 1920 transplantado para o coração da floresta amazônica” pelo americano Henry Ford, empreendedor estadunidense fundador da Ford Motor Company, pioneiro na montagem em série de automóveis, que tinha dentre as matérias primas a borracha derivada das seringueiras cultivadas primeiramente em Fordlândia e depois em Belterra.

Novas espécies suprem a falta do produto na entressafra

O Pará é o maior produtor de açaí do Brasil mas os estados do Amazonas, Maanhão, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima também colhem e comercializam o fruto, hoje consumido na América do Norte, Europa e Ásia. Já há pesquisas sobre o plantio do açaí desenvolvidas na Malásia, justamente o mesmo lugar para onde foram levadas sementes de seringueiras, quebrando a predominância do Brasil na produção e exportação de borracha. 

O manejo do açaí, para suprir a falta na entressafra, começou com o aumento do consumo, na década de 1990, e a Embrapa já colocou no mercado a espécie BRS Pará e deve lançar este ano a BRS Pai D´Égua. Em 2020 lançará o material genético das sementes BRS Cabano, que tem como representante comercial a empresa Amazon Flora.

Em 2015, o Pará colheu mais de 1 milhão de toneladas de açaí em uma área extrativista e cultivada de 154.486 hectares, injetando com a venda dos frutos cerca de R$ 1,8 bilhão na economia em um ano e estima-se que pelo menos 300 mil toneladas sejam consumidas por ano na região metropolitana de Belém. Cerca de 250 mil pessoas são empregadas no Pará na cadeia produtiva do açaí, cuja safra vai de setembro a janeiro, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, divulgada em 2017 com dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará (Sedap) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Divulgada no final de setembro de 2017 pelo IBGE, a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) mostrou que, de 2015 para 2016, a produção agrícola nacional de açaí aumentou de 1 milhão de toneladas para 1,1 milhão. Resultado da primeira investigação desse órgão sobre o açaí, o estudo apontou o Pará como o maior produtor, com 98,3% do total nacional.

Foi essa promissora economia que atraiu o produtor Romeu Furlan Júnior, que nasceu e começou suas atividades profissionais em Bandeirantes, no Paraná. O engenheiro elétrico trabalhou em multinacionais da área de tecnologia celular no Rio de Janeiro, São Paulo e até nos Estados Unidos. Mas foi aqui no Pará, em 2006, que viu outras possibilidades de realização profissional, principalmente na área rural.

“Eu vi muitas possibilidades e me preparei para investir aqui”, conta o empresário, que em 2016 decidiu vir morar aqui e adquiriu uma área na PA 140, na altura de Santa Isabel do Pará. As terras somam 36 hectares, a maioria dedicados ao cultivo do açaí.

Romeu, assim como os mais de 30 produtores que apostam no cultivo do açaí em terra firme, com tecnologia de irrigação, sabem que é um investimento de risco, mas acreditam que é o certo a ser feito, pois o açaí, assim como um dia foram a borracha, o café, a castanha do Pará, a pimenta do reino, o ouro e o cacau, é a nova fonte de riqueza que brota da floresta.

“Somos mais de 30 produtores de açaí irrigado de terra firme, produzindo em quase 4 mil hectares. Sentimos falta de incentivo, organização, informação e acesso a tecnologias e por isso resolvemos nos unir nessa cadeia produtiva do açaí para que o Pará continue com o título de maior produtor de açaí do Brasil. Um grande objetivo que temos com a criação dessa associação é podermos ajudar os pequenos, médios e os grandes produtores de açaí irrigado. Garantindo a eles acesso às informações da cultura, produção, adubação, espaçamento, variedade de semente, irrigação e mercado”, afirma o empresário, que integrou, esta semana uma Missão Técnica à maior área de açaí irrigado plantada no Pará, no município de Óbidos.

A missão técnica em Óbidos, no oeste do Pará, aconteceu nos dias 4 e 5 deste mês e teve como objetivo a busca de experiências e tecnologias na maior área de plantio e beneficiamento do açaí nessa modalidade. Lá existe uma plantação de 1.500 hectares e uma indústria que está produzindo tanto o açaí congelado quanto o açaí em pó.

O empreendimento é de propriedade do empresário Luiz Vaccaro, hoje uma referência para o Pará no investimento em tecnologias, plantio, colheita e na exportação do açaí.

Integraram a comitiva o empresário Nazareno Alves, proprietário da marca de quatro restaurantes de Belém, a Point do Açaí, e consorciado da marca Açaí Paraense, de Abaetetuba; seu pai Manoel Aires, produtor em uma área de  50 hectares no município de Igarapé-Açú; João Paulo Nascimento, que tem 50 hectares em Capanema e Romeu Furlan, responsável por 36 hectares em Santa Isabel do Pará. Juntos todos os produtores respondem por cerca de 3.600 hectares de plantio. 

A busca de novas experiências e os esforços para criar uma representação jurídica para o açaí irrigado é motivada principalmente, pelo déficit de 50 mil hectares de plantio e colheita de açaí hoje na entressafra, quando falta o açaí até na mesa do paraense. O açaí irrigado, segundo os produtores nessa modalidade, é a alternativa para resolver esse déficit.

Palmeira tem mil e uma utilidades no mercado

Além do suco, polpa, óleo  e caroços do açaí, usados na alimentação e produção de fitoterápicos, ração animal e adubo orgânico, o palmito, derivado da palmeira do açaizeiro, é muito consumido em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Vitória (ES). 

Em 2015, o Pará exportou mais de 6 mil toneladas do mix de açaí (mistura da fruta com banana e guaraná) para os Estados Unidos e Japão, o equivalente a US$ 22,6 milhões. Hoje cerca de 90% das exportações de açaí são para os Estados Unidos e Japão e 10% estão indo para a Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Angola, Austrália, Canadá, Chile, China, Cingapura, Emirados Árabes, França, Israel, Nova Zelândia, Peru, Porto Rico, Portugal e Taiwan, segundo indicadores da Sedap (Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará), que por meio de um recente convênio com a Empresa Brasileira de Desenvolvimento e Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vai investir, nos próximos quatro anos mais R$ 600 mil em pesquisa.

Será por meio do programa Pró-Açaí, como afirmou em recente simpósio sobre a cadeia do açaí irrigado, em Castanhal, Job Palheta Junior, técnico da Sedap. É com esse tipo de investimento que os produtores esperam fortalecer a cadeia produtiva do açaí irrigado de terra firme e assegurar uma nova “belle époque”, a do “ciclo do “açaí”.

 


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