Memória trágica

Um dos acidentes aéreos que mais marcaram a história da aviação no Brasil acaba de completar 30 anos. O desastre aconteceu com o voo 254 da Varig no dia 3 de setembro de 1989. A aeronave saiu de São Paulo com destino a Belém e depois de cinco escalas aterrissou em Marabá (PA). Foi no último trecho que ocorreu a tragédia, culminando com a morte de 12 passageiros e deixando 17 gravemente feridos.
Nesta quarta-feira (4), o portal UOL relembra o acidente, em artigo assinado por Alexandre Saconi, sob o título “A história do avião da Varig que caiu na Amazônia por causa de uma vírgula”. O texto revela detalhes da longa investigação feita pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), que apontou como principal causa do desastre um erro cometido pelo piloto César Augusto Garcez, na época com 32 anos.
O comandante Garcez, na hora de programar os instrumentos do avião com a rota 027,0, optou pela rota 270. Desatento, o piloto levou o avião para oeste, em vez de seguir ao norte, em direção a Belém. Após voar mais de três horas, já sem combustível, Garcez fez um pouso forçado numa área de mata fechada, no estado do Mato Grosso.
Ao longo da investigação, com cobertura incisiva da imprensa de todo o Brasil, começaram a ser revelados detalhes dos instantes finais do voo, principalmente depois que se teve acesso aos diálogos gravados na caixa preta da aeronave. Os detalhes minuciosos dessa gravação são revelados no livro Caixa Preta, de Ivan Santana.
Sem se dar conta de que tinha programado a rota errada, o piloto chegou a informar aos passageiros que deveriam se preparar para a aterrissagem em Belém, cerca de 30 minutos após a decolagem de Marabá. Ao falar com o operador em terra, ele estranha o fato de não enxergar as luzes da cidade e pede autorização para descer de 29 mil para 20 mil pés:
Garcez: “Estimo posição 25 minutos fora. Estou pronto para iniciar a descida. Está faltando energia na cidade?”
Controlador: “Negativo”.
Garcez: "Dois cinco quatro solicita autorização para descer para o nível 200. Estou pronto para iniciar a descida".
Depois, voando sem saber onde estava, perdido no meio da floresta, uma região sem cobertura plena de radares, o comandante decide pelo pouso forçado, mas esconde a decisão dos passageiros, comunicando apenas ao operador da torre:
Comandante Garcez: "Senhoras e Senhores, é o comandante quem vos fala. Tivemos uma pane de desorientação dos nossos sistemas de bússola. Estamos com o nosso combustível já no final, ainda com 15 minutos. Pedimos a todos que mantenham a calma porque uma situação como essa é difícil de acontecer. Deixamos a todos com a esperança de que isso não passe de apenas um susto para todos nós. Pela atenção muito obrigado e que todos tenham um bom final."
Ouça este trecho da gravação na caixa preta:
Piloto em terra: "Ô Garcez, você não conseguiu ir pra Belém por quê?"
Comandante Garcez: "Não, é que eu não tinha a indicação de Belém. A bússola 'tava' com outra proa e a gente foi... Ficou andando entre Belém e Marabá e não conseguiu chegar a lugar nenhum agora tá indo para Marabá e não tem mais combustível pra ir pra lugar nenhum, entendeu?... Oh, o motor 1 acabou de parar (Som do alarme da cabine)... A gente vai ter que descer agora... Eu não vou poder falar que a gente vai se preparar para o pouso, ok? Atenção tripulação, preparar para o pouso forçado".
Um década de acidentes
Este acidente foi tão marcante, que depois dele foram implementadas novas regras para o funcionamento de radares na aviação brasileira, além e mudanças nos protocolos do controle aéreo e até alterações na fabricação dos aviões e seus sistemas.
Em dez anos (de 2008 a 2017), com estatísticas compiladas no Sumário Estatístico do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), aconteceram no Brasil 1.187 acidentes aéreos.
As causas mais frequentes são falha do motor durante o voo e perda de controle por parte do piloto em casos de clima ruim. O Pará é o quinto estado onde mais ocorreram desastres aéreos nessa década. Os quatro primeiros: São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná. Neste período, em média, aconteceram 119 acidentes por ano. O ano mais crítico foi 2012, com 161 casos.