Palavra de campeão
Ele é o baiano mais paraense do Brasil. Acelino Popó Freitas, tetracampeão mundial de boxe, aproveita a nova passagem por Belém para apoiar a campanha Motoristas pela Paz, que será lançada por motoristas de aplicativo nos próximos dias. Popó já perdeu a conta de quantas vezes veio a Belém. Há mais de 15 anos que ele frequenta o Pará. Aqui, se sente em casa. Essa relação começou em 2001, quando Popó escolheu Ulisses Pereira para treiná-lo, numa parceria que dura até hoje e ainda tem muito chão pela frente. Na madrugada deste sábado (14), Popó desembarcou novamente em Belém para participar, como coordenador, de um curso de preparação para treinadores de boxe, na Academia de Ulisses.
Antes do evento, o ex-pugilista, que escolheu a capital paraense para se despedir dos ringues, em 2017, fez uma visita à redação da REDEPARÁ, onde conheceu o projeto, conversou com a equipe, gravou entrevista e deixou uma mensagem especial para os motoristas de aplicativos da região metropolitana, que preparam a campanha “Motoristas pela Paz”, a ser lançada em breve, conclamando a categoria a se unir contra a violência de que tem sido vítima frequente.
“Muitas vezes, a pessoa que pede um carro pelo aplicativo não está na beira da rua, mas dentro de um beco, ou em um local perigoso. Os motoristas, quando ficam esperando, estão à mercê de serem assaltados, agredidos e até coisa pior”, lembrou Popó. “Vamos defender essa categoria”, pede ele na mensagem.
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Carreira meteórica
O ex-campeão conhece bem o cenário de violência das grandes cidades. Nascido e criado em Salvador, em uma casa menor que um ringue de boxe, na região da Baixa de Quintas, ele viveu por muitos anos uma rotina de privações e até passou fome. Popó viu de perto mas conseguiu esquivar-se dos efeitos nocivos típicos de uma periferia sem oportunidades e com altos índices de criminalidade. “Vi muitos amigos morrerem”, lamenta.
Foi graças ao boxe e à sua determinação de vencer, que tudo mudou. Até surpreender o mundo em Le Cannet, na França, no dia 7 de agosto de 1999, ao nocautear o lutador do Cazaquistão, Anatoly Alexandrov, Acelino passou por muitas privações. O quinto filho de uma família de seis irmãos, criados com sacrifício pela mãe Zuleica e às voltas com a doença do pai, o alcoolismo, interessou-se pelo boxe aos 13 anos, levado pelo irmão Luiz Cláudio e fez uma carreira meteórica.
Foi campeão baiano aos 14 anos, campeão Norte-Nordeste aos 15, campeão brasileiro aos 17, medalhista de prata dos Jogos Pan-Americanos aos 20 e campeão mundial super-pena aos 24 anos, àquela altura sem conhecer a derrota nos ringues, com um cartel de 20 nocautes em 20 lutas.
Uma carreira que teve encerramento emocionante e festivo em Belém, celebrando com vitória seus quatro títulos mundiais em três categorias (super-leve, peso-leve e meio-médio) e um balanço final de 41 vitórias em 43 lutas, 34 delas vencidas por nocaute, o que lhe deu ainda o recorde de maior sequência de nocautes até um título mundial. Além disso tudo, Popó ganhou o título de supercampeão super-pena da WBO, distinção que é concedida somente a pugilistas que defendem o cinturão por dez vezes.
Faltando uma semana para seu aniversário de 44 anos e pouco mais de um mês para o lançamento de uma série documental sobre a sua vida, “Irmãos Freitas”, que deverá estrear no dia 26 de outubro no Canal Space, Acelino Popó discorre sobre passado e presente com a naturalidade de quem costura, com a linha do tempo, uma biografia marcada por dores e delícias, mas sobretudo vitoriosa.
"45 pontos no rosto"
Bem humorado, seguro nas respostas, carismático, o ex-lutador, mesmo fora dos ringues, ainda vive do boxe, que lhe deu tudo o que tem e transformou a história da família Freitas. “Sou um cara que até os 23 anos passou fome, muitas dificuldades, mas que deu certo. É porque eu fui atrás”, afirma. “Eu dormia no chão. Ganhava pouco. Uns 400 reais por luta. Com aquele pouquinho, eu ajudava a família”, recorda. “Hoje, eu proporciono um conforto melhor para mim e para minha família também. Dei casa para todos os meus irmãos, montei academia, dei carro…”
Tal e qual no boxe, Popó sabe que a vida nos reserva não apenas vitórias e que o importante é estar preparado para assimilar as pancadas e seguir em frente. “Até subir no ringue, é tudo fácil, a gente está preparado, a gente treinou. Depois que você começa a trocar socos, aí vai desenvolvendo, tentando desenrolar, às vezes se surpreende com o adversário”, relata. “Já lutei com um sul-africano e achei que eu poderia ganhar em três, quatro rounds. O cara aguentou dez, apanhando, e não caiu. “Já teve luta em que eu levei 45 pontos no rosto!”
Esta aconteceu em 2002, no dia 12 de janeiro, olha que coincidência, data de aniversário de Belém. Popó enfrentou um cubano invicto, Joel Casamayor, para unificar os títulos de campeão super-pena, campeão da Associação Mundial e campeão olímpico de boxe. “Me machuquei muito, mas a gente bateu também”, ressalta. Tanto bateu, que ao final de doze rounds foi reconhecido por unanimidade como vencedor desse embate histórico.
Com seu estilo arrojado, veloz e a “mão pesada”, o baiano só podia ter como maior referência um lutador que todo pugilista quis ser em algum momento: Mike Tyson, um dos maiores atletas de boxe de todos os tempos. “Todo mundo gostava do Tyson porque ele acabava a luta muito rápido”, diz Popó. “As pessoas passaram a gostar de mim porque eu também acabava a luta muito rápido, mesmo não sendo peso pesado”.
Mas é o irmão Luiz Cláudio o lutador que ele mais considera, a referência maior de sua carreira e que também foi campeão brasileiro. Um parceiro que iniciou o irmão mais novo no boxe utilizando, na falta de luvas, pedaços recortados da espuma de um colchão velho. “Eu via muito ele lutar. Me espelhei muito nele”.
Influenciador de campeões
Popó acabou por superar o mestre e se tornou, ele próprio, a principal referência para as gerações que o seguiram. Com seu primeiro título mundial, que acaba de completar 20 anos, o baiano acabou com um jejum de 23 anos que um brasileiro não chegava tão longe. O campeão anterior, em 1975, ano em que Popó nasceu, tinha sido o médio-ligeiro Miguel de Oliveira, ao vencer o então campeão europeu José Duran. Antes de Miguel, foi o lendário Eder Jofre quem conquistou o mundo, em 1960, 1962, 1963 e 1973.
As alegrias brasileiras se multiplicaram, sob a influência do tetracampeão Popó, que impôs com sua trajetória um respeito ainda maior ao boxe. “Depois de mim, vieram o Keno Marley, medalha de prata no Pan-Americano do Rio; o Valdemir Sertão, campeão mundial dos penas; a Adriana Araújo, bronze nas Olimpíadas de Londres; o Robson Conceição, ouro nos Jogos do Rio de Janeiro; a paulista Rose Volante, campeã mundial. É muita gente boa por aí”.
Mas é aqui, em Belém do Pará, que o ídolo de tantas gerações também faz questão de reverenciar os talentos do ringue, destacando a rivalidade entre o Pará e a Bahia, sempre disputando quem será o próximo campeão por equipe, ano a ano. Desse respeito pelos pugilistas paraenses, nasce uma certeza em Acelino Popó, que ele faz questão de registrar categoricamente: “O boxe mais forte do Brasil é o de Belém do Pará”.