Bicentenário
Com quantas histórias se comemora um bicentenário? Depende da relevância dos acontecimentos e da trajetória dos protagonistas e do valor que se dê aos acontecimentos, efemérides, personagens ou prosaicos registros. O livro que a Associação Comercial (ACP) lança neste dia 30 de janeiro, para encerrar o ano de sua fundação, ocorrida em 1819, reúne um pouco de todos esses pressupostos. Trata-se de uma obra composta por 27 artigos assinados por dirigentes da entidade, e uma convidada. Além de outros conteúdos produzidos pelo jornalista Nélio Palheta, o organizador do livro. Além de congregar os associados, o lançamento será aberto ao público, às 19 horas, no Salão Nobre da sede da ACP, na Presidente Vargas.
A Associação Comercial do Pará é a segunda instituição empresarial mais antiga do país (a primeira é a da Bahia). Foi fundada em três de abril de 1819 para organizar o fluxo de navios no porto de Belém, defender os interesses do comércio e da indústria em geral; a agricultura - até que se criassem outras entidades do setor - era também representada pela Associação. Na atualidade, outros segmentos econômicos, como o Turismo, Serviços, Educação estão representados. Nascida com a nomenclatura de “Praça do Comércio”, a ACP foi criada a exemplo de organização semelhante de Lisboa. Era instituição que o império português estimulava também como instrumento de controle do Estado sobre a economia. No Grão-Pará do século XIX não foi diferente.
O presidente da ACP, Clóvis Carneiro, é o autor do prefácio e de um dos artigos. O projeto editorial, coordenado por Oswaldo Mendes, publicitário e membro benemérito do nosso Conselho Superior, foi executado pelo jornalista Nélio Palheta, autor de vários capítulos do livro, tendo se debruçado, entre fevereiro e outubro do ano passado, nos arquivo da Associação e da Biblioteca pública, entre outras fontes. O livro tem 285 páginas com 81 icnografias: fotos, reproduções da Revista da Associação e de documentos, anúncios publicitários. Entre as fotos, uma curiosidade chama atenção: a cadeira que foi usada em 1876 por D. Pedro II, ao visitar a ACP. Com um acervo fabuloso de datas e acontecimentos, o livro ganhou título de “ACP – 200 anos ajudando a escrever a história do Pará”. É um painel, aos olhos dos dirigentes da associação, sobre o comércio, a indústria do estado do Pará, além de abordar aspectos políticos, educacionais e administrativos até os dias de hoje. Não se restringe ao comércio da capital. É muito mais do que isso.
ARTIGOS ASSINADOS POR 26 DIRIGENTES
“A obra, de caráter memorialístico, tem o objetivo de documentar e divulgar passagens marcantes da história da entidade a partir de registros pessoais de dirigentes da ACP, sobre fatos que vivemos no passado e no presente”, explica Clóvis Carneiro. Os artigos estão assinados pelos seguintes diretores: Álvaro Negrão do Espírito Santo, César Mattar Júnior, Clóvis Carneiro, Edson Franco, Eduardo Daher, Fábio Lúcio de S. Costa, Farid Antônio Raad Massoud, Fernando Severino, Isan Anijar, Jaime Soares, João Augusto Lobato Rodrigues, João Braga da Silva, Jorge Maria Portugal dos Santos, José Maria de Brito Neves, Leonam Von-Grap Marinho Neto, Lutfala de Castro Bitar, Makram Douraid Said / Miguel de Paulo R. Bitar Júnior, Maria de Nazaré Albuquerque Chaves, Maria de Nazaré de Mello e Silva Soares, Marialba Sardo Leão Mendes, Miguel Sampaio, Nabih Abou El Hosn, Oswaldo Mendes, Reginaldo Ferreira, Rubens Mágno Júnior, Sérgio Bitar Pinheiro. Como convidada, assina um dos artigos a publicitária Júlia Martins Sales de Barros, bisneta do ex-presidente Antônio Martins Júnior.
CONTRIBUIÇÕES PARA HISTORIADORES
Os artigos reportam fatos desde a segunda metade do século XIX, quando a Associação se reorganizou e retomou às atividades, em 1864, após sofrer os impactos da Cabanagem, que, afetou toda a economia do Pará. O projeto do livro não pretendeu levantar a história segundo critérios estritamente acadêmicos, nem se planejou esgotar os acervos de documentos, para além do que consta nos artigos e nas reportagens do jornalista Nélio Palheta sobre fatos contemporâneos, como a própria celebração dos 200 anos, no Teatro da Paz, onde foi também celebrado o primeiro centenário, em 1919. Da pesquisa empreendida pelo jornalista, dos artigos elaborados pelos dirigentes da Associação, e de conteúdos do livro “História da Associação Comercial do Pará, publicado em 1964 por Ernesto Cruz, com apoio da Universidade Federal do Pará, surge uma trajetória rica de acontecimentos empresariais, políticos e governamentais que destacam presidentes que marcaram época na associação, entre eles José Dias Paes e Antônio Martins Júnior. Na lista de acontecimentos dignificantes da história, constam as visitas do imperador Pedro II e dos presidentes da República, Getúlio Vargas e Castelo Branco. D Pedro foi recepcionado pela Associação no dia cinco de abril de 1876; Getúlio Vargas, a cinco de outubro de 1940; o general Castelo Branco acompanhado do General Costa e Silva, seu sucessor no governo revolucionário de 1964, visitou Belém e a ACP em 1966. Outra autoridade brasileira de renome internacional, que visitou a Associação Comercial, foi Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores do governo Getúlio Vagas. Ele esteve em Belém em outubro de 1936, a caminho de Washington para o Rio de Janeiro, e, posteriormente, já como ministro, em meados dos anos 1940, ele foi recepcionado em jantar solene na ACP.
“Uma das fontes de pesquisa foi a Revista da Associação Comercial. À época, era uma sofisticada publicação jornalística, é referida no livro por acumular um volume grandioso de acontecimentos da economia paraense, na forma de reportagens, documentos, debates sobre economia, política, fisco e temas científicos; tinha farta publicidade, que permite, hoje, avaliarmos a pujança da indústria, do comércio e dos serviços financeiros de Belém, desde meados dos oitocentos. A questão da borracha foi um ponto de atenção permanente da ACP”, diz Nélio Palheta. “São contribuições para historiadores e estudiosos que se dedicarem a investigar mais profundamente a economia, a organização da sociedade, e como a política permeou as atividades industriais e comerciais do Pará nos últimos 200 anos, sobretudo, no período em que os empresários se debatiam para manter de pé a produção da borracha”, acrescenta o presidente Clóvis Carneiro.
EDUCAÇÃO, MUSEU E BORRACHA
Entre os eventos, é reportada em vários artigos, a criação, em 19 de maio de 1899, da Escola Prática do Comércio e do Museu Comercial do Pará, instalado onde hoje funciona o Teatro Waldemar Henrique, em Belém. A escola funcionava no prédio ao lado, atualmente um centro cultural da Universidade Federal do Pará. Do laboratório de Química, administrado pela escola, surgiu a Faculdade de Química da UFPA. A ACP foi protagonista da criação do atual Banco da Amazônia, um compromisso assumido por Getúlio Vargas durante a visita de 1940. Chamado Banco de Crédito da Borracha (BCA), o banco foi criado em nove de junho de 1942 como resposta positiva ao apelo do presidente da Associação, José Dias Paes, para que o governo incentivasse a produção regional da borracha, em crise desde que a Malásia começou a produzir o látex, depois que o inglês Henry Wickham levou para a Inglaterra, em 1876, sementes de seringueira. “Esse item traumático da história da Amazônia precisa ser recontado com menos folclore: as sementes saíram legalmente e não se tratou de um roubo ou contrabando; as 70 mil sementes de seringueira foram oficialmente exportadas pelo porto de Belém, com base no Regimento Aduaneiro Imperial, em vigor à época”, diz Clóvis Carneiro, que reporta o assunto no seu artigo, referindo-se ao livro “O Ladrão do fim do mundo” (Joe Jackson, Objetiva, 2011).
Outro fato importante que resultou de movimento da Associação no século passado, foi a criação, com o apoio dos empresários, em 1952, da Companhia de Força e Luz do Pará, a Forluz, para equacionar a crise de energia em Belém. O primeiro diretor da estatal foi o próprio presidente da ACP, José Dias Paes, que ficou conhecido como o presidente da Forluz remunerado simbolicamente com um real de salário mensal. “Foi um gesto de extrema colaboração do grande empresário português estabelecido em Belém”, diz Carneiro.
35 DESTAQUES HISTÓRICOS
A campanha contra a divisão do Estado, cujo plebiscito ocorrido em dezembro de 20112, visava à criação dos Estados de Carajás e Tapajós é um dos eventos da história contemporânea contemplada pelo livro. A trajetória completa dos 200 anos está sintetizada na “linha do tempo” (páginas 39, 40, 41), ricamente ilustrada no livro, onde constam 35 efemérides desde 1819 até 2019, quando os dois séculos de atividades foram comemorados com solenidade no Teatro da Paz.
Vários artigos lembram que a ACP mantém, até agora, bandeiras primordiais para a economia do Estado. No passado, além da borracha, energia elétrica e educação, também a castanha-do-pará era tema de uma pauta anual de defesa dos produtos e interesses da associação, mediante reivindicações políticas, debates e promoção em feiras nacionais e internacionais; havia até uma festa anual muito concorrida, com direito a eleição da “rainha” e das “princesas” da castanha, para promover esse item que, embora com menor volume, ainda é presente na pauta comercial do estado. Atualmente, a ACP promove dois prêmios anuais muito aguardados. Desde 1953, já foram agraciados com o título de “Empresário do Ano” (originalmente “Comerciante do Ano”), 67 empresários. E o prêmio “J. Dias Paes” já agraciou três empresas, desde 2016.
OUTRAS INFORMAÇÕES
Obra: “ACP – 200 anos ajudando a escrever a história do Pará”
Organizador: Nélio Palheta
Projeto Gráfico: Augusto Neto
Capa: Mendes Comunicação
Páginas: 285
Impressão: Marques Editora (Gráfica Sagrada Família)
O lançamento é aberto ao público.
Data: 30/1/2020 Local: Salão nobre da Sede da Associação Comercial (Av. Presidente Vargas, esquina da Rua Santo Antônio – Campina).
Horário: a partir das 19h