Terra indígena
Foto: ASCOM EMATER
A Justiça Federal anulou portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai) que alterou a composição original do Grupo Técnico (GT) responsável pela elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) do território reivindicado pelo povo indígena Munduruku na área conhecida como planalto santareno, em Santarém, no oeste do Pará. A decisão acata pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Assinada no último dia 20, a decisão também estabeleceu prazo de 15 dias para que o presidente e o diretor da área de Proteção Territorial da Funai tomem providências para o prosseguimento dos estudos, sob pena de multa diária de R$ 1 mil e de terem que responder por crime de desobediência, que pode acarretar até seis meses de prisão, e multa. Além disso, outros atrasos cometidos pela Funai continuam passíveis de punição.
A criação do GT e a tomada de todas as providências necessárias para a realização do RCID são obrigações estabelecidas em acordo entre o MPF e a Funai homologado pela Justiça Federal, mas de setembro a dezembro do ano passado a Funai descumpriu três ordens da Justiça Federal para que as providências referentes à segunda etapa do trabalho de campo fossem tomadas, e, em janeiro deste ano, publicou no Diário Oficial da União portaria que alterou a composição do grupo.
“Com efeito, a Portaria que modificou a composição do GT inicialmente constituído para cumprimento da sentença proferida nestes autos virtuais não apresentou nenhuma motivação (...). Dessa forma, a Portaria/Funai 1.536/2019 padece de vício de nulidade em razão da ofensa ao princípio da legalidade, devendo, portanto, ser invalidada”, registrou a decisão.
“(...) verifica-se que o GT inicialmente constituído já realizou estudos teóricos e práticos voltados à solução da demanda destes autos, com utilização de verba pública, cujos resultados não podem ser descartados sem ofensa a princípios fundamentais, dentre eles o da eficiência”, diz o texto da Justiça Federal.
Sobre a alegação do MPF que antes da alteração da portaria a decisão judicial já vinha sendo descumprida, a decisão registrou que até o momento não houve comprovação do cumprimento integral da decisão, tendo em vista que não foi apresentada autorização para compra de passagens e pagamento de diárias, descentralização de recursos para reuniões e deslocamentos de integrantes do GT, entre outras providências.
A Justiça Federal advertiu a Funai que o cronograma de trabalho do GT deve obedecer rigorosamente ao cronograma previsto no acordo assinado entre o MPF e a autarquia e homologado pela Justiça Federal. O acordo estabelece que o RCID deve ser concluído e avaliado até 3 de dezembro deste ano, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
Saiba mais – Desde 2008, mais de 600 indígenas do planalto santareno vêm solicitando formalmente a adoção de medidas para dar início aos estudos de identificação e delimitação do território reivindicado pelos Munduruku. Em 2018, o MPF pediu à Justiça que a Funai fosse obrigada a realizar os estudos. O processo resultou em um acordo judicial em que a autarquia se comprometeu a publicar, ainda em 2018, portaria de constituição do GT responsável pela elaboração dos estudos. O RCID deve ser concluído e avaliado tecnicamente até 3 de dezembro de 2020, estabeleceu o acordo.
No segundo semestre de 2019, por três vezes o MPF pediu à Justiça que a Funai fosse obrigada a comprovar que estava tomando todas as medidas necessárias para o cumprimento do acordo, em especial as providências necessárias para a realização da segunda etapa dos trabalhos de campo, como agendamento, compra de passagens e pagamento de diárias, descentralização de recursos para alimentação em reuniões e deslocamentos. A Justiça acatou os pedidos do MPF, mas a Funai descumpriu todas as três determinações judiciais, além de não ter apresentado respostas a vários pedidos feitos diretamente pelo MPF à autarquia.
Alteração ilegal – Sobre a mudança na composição original do Grupo Técnico instituído em 2018, o MPF ressaltou à Justiça que os gestores da Funai agiram como se a função de coordenação de GT correspondesse a um cargo político ou de representação e que pudesse ser livremente destituída. A constituição do GT, no entanto, “não é um ato administrativo discricionário passível de revogação por critérios de conveniência e oportunidade”, destacou o MPF em manifestação apresentada à Justiça em janeiro.
“Nesse sentido, a destituição de um coordenador de GT é um ato vinculado cujo único motivo de direito admitido é o descumprimento das obrigações ou a infringência das cláusulas do termo de compromisso, o que não se verificou no presente caso”, complementou o MPF.
O GT originário vinha desempenhando suas atribuições a contento e não recebeu nenhuma notificação da Funai relacionada a pendências ou descumprimento de obrigações, explica a manifestação à Justiça. Para o MPF, a ausência de motivo de direito válido – elemento essencial dos atos administrativos – também motiva a nulidade da portaria que alterou a composição original do grupo.
“O ano de 2019 se encerrou sem que nenhuma terra indígena tenha sido identificada/delimitada, declarada ou homologada, algo inédito desde a promulgação da Constituição de 1988”, frisou o MPF no documento.
Processo 1000141-38.2018.4.01.3902 – 1ª Vara Federal Cível e Criminal da Justiça Federal em Santarém (PA)