Arte
Desenhar tem feito parte da rotina de Elton Galdino desde a infância, e foi também nesse período da vida que se tornou sua pretensão profissional. Isso devido a uma oficina de histórias em quadrinhos da qual ele participou aos 12 anos, ministrada pelo cartunista Paulo Emmanuel, na Fundação Curro Velho (hoje, denominada de Núcleo de Oficinas Curro Velho). De aluno a professor, entre 2005 e 2008, o desenhista ministrou oficinas de quadrinhos no próprio Curro Velho e na Casa da Linguagem. E, em 2009, ingressou na Universidade Federal do Pará, saindo dela, em 2016, com o título de bacharel em Artes Visuais. Inclusive, seu Trabalho de Conclusão de Curso foi sobre a cena de quadrinhos em Belém na década de 1990, mais especificamente sobre a atuação do grupo Ponto de Fuga entre os anos de 1991 e 1996.
Durante a graduação, Elton passou a se inscrever em diversos editais de exposições ou publicações culturais/artísticas. Como resultado, para citar algumas conquistas, ele participou do já extinto Prêmio Sesc Universitário, foi duas vezes selecionado para o Salão de Arte Primeiros Passos do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos (CCBEU) e ganhou o Prêmio PROEX de Arte e Cultura da UFPA referente ao ano de 2013. Este último, aliás, contemplou a publicação de seu fanzine Divagação, obra que reúne quadrinhos experimentais cuja produção teve início pouco antes de sua entrada na universidade e que, mais tarde, absorveram influências imagéticas e narrativas advindas de suas vivências na UFPA. Mais recentemente, em 2018, numa época de inatividade enquanto quadrinista e de conflitos internos decorrentes de experiências profissionais com design gráfico e publicidade, surgiu a iniciativa de criar um perfil de tirinhas no Instagram: trata-se do @tripas_tristes, que, como o nome já sugere, aborda temas intimistas e tristes.
O quadro referencial de Elton é amplo e diversificado. Em matéria de estilo de desenho, seu traço nervoso, hachurado e em preto e branco perpassa por influências de quadrinistas japoneses (Hiroaki Samura, autor de Blade – A lâmina do imortal e Yukito Kishiro, criador de Battle Angel Alita), ingleses (Paul Neary, de Doctor Who e Dave McKean, ilustrador de Batman – Asilo Arkham) e do italiano Paolo Eleuteri Serpieri (de Druuna). Já no tocante à narrativa, sua escrita comedida, rápida, direta e sem floreios vem, principalmente, de Frédéric Boilet, quadrinista nascido na França e naturalizado no Japão. Sem esquecer da literatura brasileira, exemplificada pelas obras de Paulo Leminski e de João Cabral de Melo Neto.
Mas, para além de autores e de suas obras, o que lhe inspira é a vida cotidiana nos centros urbanos, percebida em facetas como a moradia, as interações sociais e a precariedade dos serviços públicos. É a perspectiva de alguém que cresceu e viveu majoritariamente em áreas periféricas de centros urbanos, precisando atravessar a cidade quase diariamente, que norteia os últimos dez anos de produção e de pesquisas artísticas de Elton. O compilado de desenhos, rascunhos, anotações, vídeos de processos e outros materiais daí resultantes estão reunidos na primeira exposição individual do artista, inaugurada em Belém no dia 14 deste mês sob o título Miro lo que pasa.
A escolha do nome remete à junção de significados em espanhol e em português: em espanhol, o verbo “mirar” equivale ao ato de olhar, enquanto que, em português, é utilizado com o sentido de espreitar, dirigir a pontaria para um alvo específico. Elton toma as duas concepções como uma analogia à sua forma de desenhar, “observando e esperando o que e como desenhar, e ao mesmo tempo fazendo de tudo pra não ser percebido pelas pessoas que estão sendo desenhadas”, detalha. No mesmo âmbito, ele analisa que a expressão da língua espanhola "¿qué pasa?" é traduzida como um questionamento sobre o que está acontecendo, sendo que o verbo "passar", na nossa língua, carrega a ideia de movimento de um lugar a outro e se associa a algo de passado, que já aconteceu. Nesse caso, os dois significados reunidos apontam para uma dimensão temporal mais ampla, abarcadora de passado, presente e futuro. "O ponto de saída e de chegada são importantes, mas o entre, as salas de espera, as filas no banco ou no hospital, também são", conclui o artista.
A exposição Miro lo que pasa foi laureada com o Prêmio de Produção e Difusão Artística 2019 da Fundação Cultural do Pará, e conta com a curadoria dos artistas visuais Romário Alves e Luana Peixe. Segue aberta à visitação até o dia 27 de março, na Galeria Ruy Meira, localizada na Casa das Artes.
Serviço
Exposição Miro lo que pasa, de Elton Galdino
Local: Galeria Ruy Meira, na Casa das Artes (Praça Justo Chermont, 236, ao lado da Basílica Santuário de Nazaré)
Período: de 14 de fevereiro a 27 de março de 2020
Funcionamento: de segunda a sexta, das 8h às 18h
