Mês dos pais
Paternidade, no dicionário, diz respeito ao vínculo sanguíneo entre pai e filho. Socialmente, é um tema bem mais complexo. No mês dos pais, celebrado em agosto, o Conselho Regional de Psicologia do Pará e Amapá (CRP 10) convida o público a debater o papel do homem no cuidar: por que no Brasil há mais de 5,5 milhões de crianças sem nome do pai no registro de nascimento? Como repensar a masculinidade para que ela possa construir uma paternidade presente e amorosa?
Às 19h, nas redes sociais do CRP 10, o encontro reúne Eric Alvarenga, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do grupo "Homens, gênero e saúde na Amazônia"; o professor doutros Jorge Lyra, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e o psicólogo Vagner Caldeira, conselheiro do CRP 10.
Abaixo, confira a entrevista com Eric Alvarenga, que há anos se dedica à pesquisa da saúde do trabalhador e do homem na Amazônia, e tem se voltado ao estudo das masculinidades.
O abandono parental e afetivo, no Brasil, atinge uma massa imensa de crianças. Dentro da análise da Psicologia, a que se atribui este fenômeno social?
De início, pontuaria que é um contexto bem complexo para dar uma resposta só, cada um destes 5,5 milhões de casos merece uma análise. Arriscando abordar essa situação a partir do que é mais comum, costuma ser mais fácil e tolerável socialmente que um homem abandone seu/sua filho/a do que uma mulher, porque há um pensamento comum de que homem é assim mesmo. Os homens tendem a não se ligar tanto à paternidade quanto às mulheres em relação à maternidade. Diversos deles têm o exemplo em casa, foram filhos de pais ausentes. O caso da criança do Espírito Santo que foi estuprada e engravidou também é bem emblemático. Os homens acabam aprendendo que as mulheres e as meninas são propriedade deles e desta forma pensam que podem fazer com elas o que quiserem, inclusive estupro. Possivelmente, várias dessas crianças que não têm o nome do pai na certidão nasceram de casos de violência sexual. Por isso, é preciso defender cada vez mais o direito da mulher de decidir sobre a interrupção da gravidez.
Homens tratam de paternidade dentro dos consultórios? Tratam de machismo? Enquanto profissional da Psicologia, como operar neste campo? Quais os desafios e qual a relevância de observar as masculinidades?
Tenho visto diversos grupos terapêuticos pelo Brasil com homens que abordam o tema do machismo, das paternidades, das masculinidades. Esses grupos são fundamentais, pois ainda há poucos espaços para que os homens possam refletir sobre estas questões. Em Belém, me chamou a atenção o trabalho do grupo "Esse Um", que tem sempre convidado mulheres para discutir com eles sobre estes temas. Algumas colegas psicólogas já participaram destas discussões e têm relatado ótimas experiências. Observar as masculinidades é central, pois é a partir delas que vamos compreender o modo como os homens vivem e se relacionam com o mundo. O desafio maior ainda é que este debate sobre masculinidades chegue aos homens e às mulheres de todas as classes, cores de pele, idade etc. Vejo que ele vem retomando sua importância de uns anos para cá, mas percebo que pouco chega nas pessoas de classes mais baixas, por exemplo.
Qual o horizonte para se repensar a masculinidade vigente? Os homens estão atentos a este debate? Qual o caminho?
É preciso que mais homens se envolvam nesta reflexão. Foram as mulheres, a partir do movimento feminista, que viram a relevância dos homens estarem presentes nos debates sobre gênero. Para dar um exemplo, recentemente tive contato com a ótima pesquisa de doutorado feita pela enfermeira Alessandra Santos-Chaves. Ela fez atividades em grupo com adolescentes da periferia de Belém sobre masculinidades. Chamou-me a atenção o quanto as meninas já apresentavam certa discussão sobre relações de gênero, enquanto os meninos estavam distantes disto. Falar sobre esse tema desperta pavores em muitas pessoas, intensificados por este momento político sombrio que estamos atravessando. Parafraseando a música “Medo” do Titãs, diria: precisa perder o medo do gênero. Afinal, falar sobre relações de gênero é também encontrar maneiras mais respeitosas de conviver com outro.
Serviço:
Live "Paternidade: presença, ausência e o redescobrir do cuidar dentro da masculinidade", nesta terça-feira, 25, às 19h, nas redes sociais do CRP 10. Participe!