LITERATURA

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Bianca Levy tem 32 anos de idade, nasceu em Belém (PA) e já percorreu um longo caminho até chegar ao Rio Grande do Norte, de onde compartilha com seus leitores seu mais novo livro: O Veneno da Cobra e da maça, obra inspirada na história de Dona Maria de Fátima, mulher campesina, maranhense, trazida pela fome até o Pará. Uma Maria síntese de todas as Marias campesinas do Norte e Nordeste do Brasil, co-autora e personagem da obra. Nesta entrevista Bianca compartilha um pouco de sua experiência como jornalista de grandes redações, escritora, performer, educadora, profissional de artes visuais e muito mais. Confira.
Bianca, sua formação inicial, em 2013, foi em comunicação, na capital do Pará, Belém, onde deu seus primeiros passos como jornalista. Fale dessa experiência profissional?
Bianca Levy - Eu costumo dizer que a convivência com a minha avó e madrinha, a Dona Ray, me despertou para o interesse em ouvir estórias. Cresci ouvindo ela contar causos sobre visagens e outras aventuras vividas pelo meu bisavô, o Tamarindo Amoras. Essa predisposição a ouvir histórias forjou a minha persona e sensibilidade como jornalista antes mesmo de eu entrar em uma redação. Mas foi na experiência em jornal que eu aprendi a técnica, cresci muito na escrita e afinei a escuta. Na vivência como repórter de rua aprendi a transitar nos mais variados espaços, do pé na lama aos lugares refinados, desenvolvi um linguagear para acessar tanto as pessoas comuns quanto as autoridades. Mas confesso que minha preferência sempre foi ouvir os comuns, além de me interessar muito mais por uma escrita mais robusta e também poética (Ismael Machado com certeza foi uma das minhas principais referências no início desta caminhada).
Trabalhei durante três anos e sete meses no Jornal Diário do Pará. Tive passagem também pelo DOL, Comus da Prefeitura de Belém, Rádio Unama, Rádio Cultura e Portal Correio (Marabá). Trabalhei bastante como freelancer e participei de duas campanhas eleitorais para prefeitura (em Belém e Marabá). Atualmente estou afastada das redações, mas o jornalismo é uma parte fundante desse caleidoscópio de mim.
Como se deu e qual a razão dessa transição para as artes visuais, que lhe deixaram ocupada por um bom tempo?
Bianca Levy – Eu sempre fui uma pessoa muito criativa e com facilidade para linguagens artísticas (música, dança, escrita, etc). Mas a arte como profissão nunca se mostrou como uma possibilidade para a minha família, o que me levou a não desenvolver essas habilidades e deixar essa ideia engavetada, como um hobbie ou sonho bobo infantil. Na realidade, encontrei na comunicação o território limítrofe das artes, onde de alguma forma eu poderia garantir a minha criatividade. E isso deu certo por um tempo.
Acontece que a realidade do jornalista e do artista não é tão diferente e logo chegou a conta da frustração, quando a escrita se mostrou insuficiente para dar conta do que eu tinha aqui dentro. Com isso, veio a necessidade de me expressar por meio de outras linguagens e resolvi arriscar e fazer essa manobra de vida.
Entrei no mestrado em Artes na Ufpa em 2017, onde a princípio iria fazer uma pesquisa teórica sobre produção em Caderno de Artista e Diários Processuais. Mas no meio do caminho acabei entrando em contato com a linguagem da performance, que se mostrou como a síntese do meu fazer (uma Escrita do Corpo). Aí mudei a linha de pesquisa, mudei tudo. Fui orientanda do Prof. Dr. Orlando Maneschy e com o apoio dele desenvolvi uma investigação poética sobre a minha relação com o arquétipo Água, representado na figura de Iemanjá. O projeto foi premiado pelo Proex e resultou na exposição “Elemento TransitóRIO, Caminho de Volta para o Mar”, com exposição em Belém e Marabá.
Enquanto performer e educadora você se preparava para o mundo literário e em 2018 nos surpreendeu com seu primeiro livro, prosas poéticas reunidas na obra “Aquífera”, pela editora Escaleras. O que você traduziu nessa obra? Alguma relação com o que você também vivenciou e dividiu com seu público na exposição “Elemento Transitório-Caminho de Volta para o mar”?
Bianca Levy - Aquífera dá conta desse tempo entre o jornalismo e a arte. O tempo de espera e gestação de um filho. Um tempo de imersão na vida cultural de Belém e na boemia da cidade. O Aquífera é um conjunto de prosas poéticas e poemas, escritos entre 2014 e 2016, logo que retornei de uma viagem rápida a São Paulo na tentativa de conseguir emprego e mestrado por lá mas retornei a Belém com alguns nãos e um pouco sem rumo. Alguns dos textos presentes neste livro fizeram parte de fanzines artesanais que eu fazia, xerocava e vendia nas batucadas da Praça da República, na Feira Libertária no Carmo e no saudoso Oito. É um livro que fala sobre paixões, angústias, e tem aquela ingenuidade jovem de quem ainda está à deriva, mas que segue ouvindo o coração. Acho que a relação entre ele e a exposição é a pulsão de viver, que nos faz movimentar, criar, inclusive o elemento água, que é essa fonte criadora que está presente no título e interior das duas obras.
Você trabalha com educação popular e cursos/aulas de sensibilidade artística e escrita criativa. Fale desse trabalho neste momento tão confuso para quem produz ou interpreta a arte.
Bianca Levy - Sabe, eu já trabalhei com arte de várias formas. Desde trocar fanzine por catuaba no meio de uma batucada, até ser artista com exposição individual dentro de galeria. E todas essas experiências me levam a crer que a arte está para além do ego, do gênio criador, das categorias e críticas do que é ou deixa de ser arte. Eu acredito que a arte tem um potencial regenerativo dos nossos traumas coletivos (isso foi muito debatido, inclusive durante o ápice da pandemia). Todos nós temos potencial artístico. Todos nós temos muita estória para contar. Quem é Doutor sabe da teoria, quem é da comunidade guarda a memória popular. E podem construir muita coisa legal juntos. A arte se mostra muito mais potente e interessante quando na lógica da cooperação, e não da competição. Então o movimento de aproximar as pessoas da arte, ou a arte das pessoas, por meio da educação popular, dos teatros clínicas, das rodas coletivas, dos saraus, das cirandas, da produção de fanzines, se mostra necessário. Romper com a inacessibilidade deste fazer. Criando em coletividade, podemos co-criar nossas existências.
Do que se trata o projeto “O Escreviver”?
Bianca Levy - Escreviver é o meu empreendimento pessoal, onde oferto cursos, oficinas e mentorias particulares de escrita poética, livre criação e produção em caderno de artista, fanzines e colagens manuais. É um trabalho de sensibilidade poética, voltado especialmente para as mulheres, e que une a escrita e a imagem como forma de conexão consigo e também como recurso terapêutico. Por enquanto o projeto é 100% online e está com a página e o site em construção, mas em breve abrirei para encontros presenciais aqui em Natal (RN), ou a convite, em outros estados. Entre dezembro e janeiro vou lançar o primeiro curso de Escrita Poética.
Bianca, neste segundo livro, “O veneno da cobra e da maçã”, o que você compartilha com seus leitores?
Bianca Levy - O veneno da cobra e da maçã é o resultado de um trabalho terapêutico desenvolvido no Caps III Castanheira, em Marabá- PA. Ele é inspirado na história de Dona Maria de Fátima, mulher campesina, maranhense, trazida pela fome até o Pará. Uma Maria síntese de todas as Marias campesinas do Norte e Nordeste do Brasil, com quem eu tive a alegria de realizar este trabalho.
Dona Maria era paciente do meu marido, o Dr. Charles Vasconcelos. Chegou ao Caps em crise, e com um histórico de tentativas de suicídio. Durante as consultas, ela revelou que o maior sonho dela era escrever um livro sobre a própria história, mas não sabia escrever. Prontamente Charles me convidou para integrar a terapêutica dela como voluntária e eu logicamente aceitei. Foram dois anos de encontros no Caps Marabá, onde eu ouvia as histórias de Dona Maria e realizava também exercícios de corpo, meditação. Mas foi com a pintura que ela se encontrou. Enquanto contava as histórias, ela desenhava várias imagens do inconsciente, que dialogavam estreitamente com a narrativa. Foi um processo bastante intenso e com melhora comprovada da paciente pela equipe do Caps.
Em 2020 eu resolvi concorrer com o projeto do livro no Edital da Aldir Blanc de Marabá e fui contemplada. Vamos lançar o livro no dia 20 de novembro, na praça São Félix de Valois, na Nova Marabá, com uma grande ciranda a ceú aberto e a participação de Dona Maria.
Fale mais sobre o livro e dessa experiência com Dona Maria

Bianca Levy - O livro é uma mistura de jornalismo literário, romance de não ficção, e contos. Tem 12 pequenos capítulos escritos em terceira e primeira pessoa, e dividido em quatro partes (os quatro arquétipos mais desenhados por Dona Maria: árvore, fogo, cobra e maçã). Ele não segue uma linearidade, podendo ser lido de onde o leitor quiser. É um livro que carrega um pouco da nossa memória coletiva, da história das milhares de Marias do nosso Brasil. Estou realmente feliz por fazer parte disso.
Estamos em fase de pré venda do livro, que custa R$ 60,00 com frete e pode ser pago pelo pix 84 996389426. O mesmo número do meu whatsapp, onde a pessoa pode enviar o comprovante e acertar diretamente comigo os detalhes do envio.
De Belém você passou por Marabá e outros territórios. Hoje está em Natal (RN). Mudar para tão longe de casa deve ter uma motivação. Fale de suas buscas agora para o futuro profissional.
Bianca Levy - Mudei para Marabá por amor. Depois mudamos para Natal para viver esse amor perto do mar. Não teve um motivo, dentro desses motivos habituais, quantificáveis. Apenas o fluxo da vida. Mas caminhar é bom. Alimenta o olhar, a sensibilidade e agrega experiências de vida. Procuro pensar que não está faltando nada e que a ideia não só no aspecto profissional como na vida em geral não é a busca, mas dar conta do que se é, se tem, se está. Hoje estou lançando o livro com Dona Maria, tenho mais dois no prelo pra materializar, especialização em Arteterapia para fazer, e o Projeto Escreviver, este projeto de trabalho e vida que estou construindo de forma que me permita criar, ser valorizada pelo meu trabalho, ter tempo de qualidade e estar mais presente na vida das pessoas que eu amo.
Onde e como adquirir suas obras, acessar suas experiências?
Vocês podem acompanhar o meu trabalho pelo instagram @estudiolanca e pelo site escreviver.art.br que em breve estará no ar. Para falar diretamente comigo, é só mandar um zap para o 84 99638-9426.