Moda

Habitado muito antes da chegada dos portugueses, o mítico Marajó foi povoado por indígenas criadores de uma cerâmica complexa e de uma iconografia única, de mais de 3.500 anos. Território efervescente, é atravessado pela cultura pesqueira e por uma cena pop de aparelhagem que tem conquistado a região Norte. Essa potência criativa, que é história e presente da Amazônia, inspira o projeto "Marajó Ancestral", da designer de moda Jacke Carvalho, uma coleção de acessórios e bolsas que será apresentada ao público de Belém nesta sexta-feira (5), na Galeria Vicente Salles, no Memorial dos Povos, a partir de 19h.
O novo projeto da designer paraense, que há mais de uma década trabalha com moda e sustentabilidade, foi contemplado no Prêmio da Fundação Cultural do Pará de Pesquisa e Experimentação Artística 2023, Secretaria de Cultura e Governo do Pará. Valorizando as artes manuais como legado indígena e as cores características da estética marajoara, a coleção traz o vermelho, preto e off-white de forma predominante. São acessórios produzidos com cerâmicas, redes de pesca, conchas e elementos naturais, usados na confecção de colares, braceletes e brincos.
As bolsas foram criadas com tecidos crus em algodão e linho, com destaque para os grafismos em ponto cruz e rede de pesca inspirados na cultura pesqueira da região. As vestimentas que complementam a coleção foram todas feitas de 100% algodão e linho puro, não havendo plástico na composição. O resultado do projeto será apresentado em desfile e documentário com imagens das pesquisas, que destacam elementos históricos e imagéticos da região.
Movida pelo desejo de conexão com a história de seus antepassados, Jack tem como ponto de partida de pesquisa para o projeto uma imersão no único museu caboclo do mundo, o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, um dos pontos turísticos mais importantes do Pará e referência cultural e científica sobre a ilha.
“Essa jornada iniciou em 2019, quando eu comecei a pesquisar a história da minha família, a fazer meus exames genéticos, pesquisar de onde meus avós vieram, meus bisavôs vieram, e descobri que eram todos marajoaras. Meu matriarcado é todo de mulheres marajoaras. Então herdei esse ócio criativo da moda da minha avó que era uma grande costureira, que veio do Marajó, nasceu na Vila do Pesqueiro. Isso foi uma riqueza pra mim, uma descoberta muito bonita”, relata.
Cultura cabocla
Arquipélago banhado pela imensidão dos rios Amazonas e Tocantins de um lado, e pelas águas salgadas do Oceano Atlântico de outro, o Marajó é a maior ilha fluviomarinha do mundo. Neste cenário das águas, surge uma cultura original no coração da Amazônia, que protagoniza o Museu do Marajó. Interativo e com uma museologia autoral, diferente de qualquer outra, o espaço reúne centenas de peças arqueológicas, artefatos, cerâmicas, verbetes e registros do modo de viver e existir do povo do arquipélago.
O museu foi fundado ainda na década de 1970 pelo padre italiano Giovanni Gallo, que vislumbrava um espaço de memória e identidade social, além de centro para pesquisa e educação. Entusiasta da cultura da região e da história de seu povo, o padre foi responsável por catalogar o grafismo marajoara. Gallo reproduziu em desenhos a iconografia que encontrou na cerâmica indígena do arquipélago. Chamada de "gregas marajoaras”, organizada em livro chamado "Motivos ornamentais marajoaras" preservou a marca cultural dos povos originários, se tornando elemento fundamental para a economia dos municípios da ilha.
“A escolha de ter o Museu do Marajó e seu amplo acervo como referência para a criação das peças foi uma forma de incentivar e difundir a importância da preservação do patrimônio cultural, imaterial e histórico da região. A sua valorização é fundamental para a preservação da identidade cultural do Pará”, diz Jacke.
Além da visita ao Museu do Marajó e localidades da região, a pesquisa para o projeto de moda foi conduzida por meio de levantamento bibliográfico de Denise Schaan e entrevistas com a escritora Ana Linhares, historiadores locais e líderes comunitários de Cachoeira do Arari, para compreender as raízes, símbolos e elementos que caracterizam a cultura e a história da região.
“A coleção é uma homenagem à cultura marajoara e seus elementos visuais, estéticos e simbólicos, valorizando os saberes tradicionais. E a sustentabilidade perpassa todo o projeto, uma vez que a valorização da cultura e da natureza exuberante do Marajó está diretamente relacionada à preservação do meio ambiente, da cultura e do uso consciente dos recursos naturais”, diz Jacke.
O desfile será uma oportunidade de apresentar ao público a riqueza da cultura marajoara, destacando a importância do Museu do Marajó na preservação da história e cultura da região e sua influência na estética brasileira.
Serviço:
Marajó Ancestral - apresentação da coleção de moda de Jacke Carvalho
Local: Galeria Vicente Salles (Memorial dos Povos) - Av. Gov. José Malcher, 257 - Nazaré, Belém – PA
Data: 5 de janeiro de 2024
Horário: 19h
Entrada gratuita de acordo a lotação do espaço