Crônica
Outro dia, no grupo de wtsp “Bastardos Inglórios”, formado por meia dúzia de amigos que gostam de música, publicidade, texto (y otras cositas más), foi o Vladmir Cunha, meu queridíssimo e admirado Vlad, quem acendeu o alerta. E olha que, nesse papo de tecnologia, ele é macaco velho do cu pelado. Mais sabido, jovem e pelado do que eu.
Vlad escreveu: “Tava me aprontando para ir na padaria comprar umas coisas e cantando alto a música Reconvexo. (Eu sou a chuva que lança a areia do Saara / Sobre os automóveis de Roma...) Deixei a TV ligada. Quando volto, tá isso aqui...”.
E ele mostrou a foto da telona de TV. A primeira recomendação do menu era um vídeo com a cara do Bobô, um jogador que foi herói do Bahia nos anos 80, cercado pelo título: “Quem não amou a elegância sutil de Bobô?”. Sim, exatamente o verso de Reconvexo em que Caetano faz uma homenagem ao atleta baiano. “A gente é muito espionado”, protestou Vlad.
Ele tem razão. O bagulho tá doido, mano. Isso acontece o tempo todo e a gente nem se dá conta. Quer ver? Faça o teste. Deixe a TV ligada e vá na padaria comprar umas coisas, feito o Vlad. Como quem não quer nada, saia cantando e rebolando o sucesso “Conga, Conga, Conga”. Ao voltar, eu aposto: no menu do seu streaming, o principal destaque será um corte do Programa do Gugu de 2001, mostrando Gretchen, a rainha do bumbum, usando o propriamente dito para deixar Claude Van Damme excitado. Faz o teste. Eu aposto! O Vlad fez. Foi batata!
Situações como essa me fazem refletir sobre o excesso de vigilância dos nossos tempos. Não tenho nada contra a tecnologia, os procedimentos de segurança, a boa e velha prevenção. Sou contra o exagero. Somos filmados sem saber, observados sem querer, gravados sem autorização e transformados, sem permissão, em sequências de algoritmos. Uma fórmula cretina, cuja pretensão é nos definir, reduzindo nossa humanidade e nos colocando em bolhas, com a falsa impressão de um protagonismo que não temos, nem mesmo nesses ambientes. Não temos domínio, somos dominados.
Nessa sociedade de vigilância, nessa teia de desconfiança, estamos virando fantoches. Rapidamente, vamos deixando de ser condutores; viramos conduzidos. Em pouco tempo, teremos naturalizado a condição de sonâmbulos da nossa própria história. Aceitado a submissão. Seremos uma espécie de Geni, que se entrega ao vigilante como quem dá-se ao carrasco.
A sociedade disciplinar, em que cada um é vigiado e todos estão sob controle, ainda que nem percebam, foi descrita por Michael Foucault no livro “Vigiar e Punir”, nos anos 70. Foi dissecada por George Orwel, no clássico “1984”, escrito na ressaca da 2ª guerra, no final dos anos 40. E mesmo depois dessas lições, ainda não aprendemos. As “teletelas” de hoje, que nos perseguem, monitoram, gravam e espionam, feito a do Grande Irmão de Orwel, precisam de limites. Ou seremos cúmplices de um totalitarismo orgânico, que nos envolve sorrateiramente, feito ervas daninhas cultivadas por nós mesmos.
Chega! Tudo tem limite!
Para derrubar os muros da extrema vigilância, eu e Vladmir Cunha, o Vlad, fundamos a Sociedade dos Visitantes Fantasmas. Um grupo de visionários que recriaram, e elevaram à categoria de vanguarda urbana, uma das manifestações mais relevantes da cultura pop nos anos 70: a arte de apertar campainhas e sair correndo.
Ninguém vai nos parar. Ou se estabelece uma trégua de duas horas por dia, para que nós, os apertadores-de-campainha-que-correm, desenvolvamos nossa arte sem a perseguição das solertes câmeras e a imposição do vil monitoramento, ou estaremos em guerra. Vocês não têm noção do potencial de nossas armas.
Hoje, somos capazes de interromper qualquer programação e colocar na tela dos mais de 70 milhões de televisores do país, simultaneamente, por 24 horas ininterruptas, um vídeo devastador. Uma imagem com poder de destruição da família brasileira tão violenta, mas tão violenta, que pode até dissolver quem estiver assistindo.
O vídeo mostra o meu amigo Vlad dançando Conga, Conga, Conga. É a visão do Inferno, que nem Dante descreveu.
Junte-se a nós. Não deixe o mundo morrer. Não deixa o mundo acabar.