TECENDO PANEIROS E SABERES
É da rede municipal de Belém uma das dez melhores práticas pedagógicas de educação do Brasil vencedoras da 8ª edição do Prêmio Territórios Tomie Ohtake, que identifica ações de escolas públicas brasileiras integradas a seus territórios na construção e valorização dos saberes presentes em suas comunidades.
O projeto "Tecendo Paneiros e Saberes", iniciativa da professora Adriana Monteiro, executado na Unidade Pedagógica Nossa Senhora dos Navegantes, que integra o território das ilhas Sul de Belém, disputou a premiação com mais de 200 experiências. A iniciativa foi implantada na turma de 2ª totalidade da escola em parceria com a professora formadora Angela Pantoja, da Coordenação de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Coejai), da Secretaria Municipal de Educação (Semec).
A ideia de trabalhar a alfabetização utilizando a cultura local de produção de utensílios, como paneiros, abanos e rasas, a partir do uso de fibras vegetais, está vinculada à valorização da cultura do território, que representa uma fonte de renda para os moradores. Foi com base nesse patrimônio cultural que os professores trabalharam a escrita e a matemática em sala de aula.
“É com grande alegria que participarei no próximo dia 14, em São Paulo, da solenidade de premiação das dez melhores práticas pedagógicas de educação do Brasil, que inclui a escola municipal “Unidade Pedagógica Nossa Senhora dos Navegantes”, às margens do rio Aurá”. A declaração é da secretária de Educação, Araceli Lemos, que viajará para a capital paulista, no próximo dia 14, acompanhada da professora Adriana Monteiro.
Fibras - “Antes de eu vir para a escola eu não sabia ler, agora eu não dependo mais dos outros para saber a linha do ônibus, quando vou a Belém (continente). E isso me faz muito feliz”, diz Olivarina da Silva Cabral, 65, que faz parte do grupo de 18 estudantes da Ejai da escola Navegantes.
Oliva, como é mais conhecida, foi uma das beneficiadas pela ação de busca ativa que a Prefeitura de Belém desenvolveu para incluir os idosos nas escolas, no turno da noite. Ela nasceu em Bujaru e desde os cinco anos de idade, começou a trabalhar ajudando a família nos trabalhos de roça. Aprendeu todas as etapas da fabricação de farinha de mandioca, inclusive tecer o tipiti, o espremedor artesanal, traçado com fibra, que separa a massa do tucupi.
A sexagenária casou aos 18 anos e migrou para a comunidade Navegantes, em Belém, onde aprendeu a tecer outros artefatos com a fibra de guarumã, uma palmeira da várzea amazônica. Trata-se de uma prática muito comum dos ribeirinhos, que fabricam rasas para transportar o fruto do açaí, cesto para guardar ovos, luminária, peneira, fruteira, paneiro e outros artefatos decorativos.
Mãe de sete filhos, avó de seis netos e dois bisnetos, dona Oliva é colega de banco escolar de outra idosa, a Joveli Cardoso, a dona Cita, 61 anos, mãe de quatro filhos, 17 netos e um bisneto. Desde cedo ela também aprendeu a produzir rasas, peneiros e outros artefatos utilizados na produção de açaí. Ela tinha muita dificuldade em assinar o nome. Hoje ela sabe ler e passou a entender muita coisa com os professores. “Eles nos ajudam a pensar no valor que temos e na riqueza que existe em nosso lugar”, explica.
Tema gerador - O titular da Coordenadoria da Ejai, Miguel Picanço, que em 2023 participou da busca ativa para identificar homens e mulheres que não tiveram acesso à escola quando eram mais jovens, explica que o projeto "Tecendo Paneiros e Saberes", da Ejai na escola Navegantes, é um desdobramento de uma ação pedagógica maior, que é o projeto “Alfabetização à Mesa”, que traz a comida como linguagem de identidade e de pertencimento aos territórios amazônicos, em particular dos territórios ribeirinhos.
“É o fio condutor, como diria Paulo Freire. Tudo começa com a proposta pedagógica Alfabetização à Mesa, que traz essa comida para a cena pedagógica, como tema gerador para o processo de alfabetização”, ensina Picanço. Ele acentua que a prática da tessitura de paneiros, além de ser uma cultura que reconhece a biodiversidade, “valoriza a sustentabilidade, a relação do homem, da mulher, do ribeirinho, do estudante da Ejai com a terra, com o meio ambiente, mantendo uma relação de respeito com o tempo dessa natureza, com o tempo da terra”.
Sujeitos de direitos - "Eu fiquei muito feliz em ver que uma atividade do nosso cotidiano, da nossa comunidade, trouxe tanta alegria e um prêmio nacional para nossa escola”, declarou a professora Adriana Monteiro, que mora na comunidade Navegantes.
“O prêmio é de todos nós, mas sobretudo da comunidade”, comentou Angela Pantoja, da Coejai. Já a diretora de Educação da Semec, professora Jaqueline Rodrigues, celebrou a premiação e lembrou que ação pedagógica desenvolvida nas escolas do campo, das águas e das florestas está vinculada a uma política pública que reconhece os estudantes como sujeitos de direitos.
“Cabe a vocês fazer a resistência para manter esta conquista. Vocês estão entre as dez melhores práticas de educação do Brasil. Nós temos muito orgulho deste trabalho”, pontuou a diretora de Educação, poucos dias após o anúncio da premiação pelo Instituto Tomie Ohtake, em 26 de setembro.
Livros e vídeo - As dez escolas vencedoras da 8ª edição do Prêmio Territórios Tomie Ohtake vão receber coleções de livros pedagógicos para os estudantes envolvidos e um valor em dinheiro de R$ 8,5 mil para a escola desenvolver projetos pedagógicos e um documentário que vai revelar o dia a dia dos estudantes que participaram da iniciativa pedagógica.
Além da secretária Araceli Lemos e da professora Adriana Monteiro, vão participar da solenidade de premiação na capital paulista a diretora de Educação, Jaqueline Rodrigues; o coordenador da Coejai, Miguel Picanço; e os professores Angela Pantoja e Dirceu Duarte.