Música

Na década de 1970, quando os EUA viam o movimento pelos direitos civis do povo preto ganhar uma repercussão inédita até então, e líderes como Malcolm X e Panteras Negras alcançarem projeção mundial, a juventude preta das favelas do Brasil também entrava na onda - em plena ditadura militar.
Essa trajetória que foi marco do orgulho preto no Brasil - e iniciou o que seriam os bailes funks cariocas do século XXI - celebra meio século. E pela primeira vez, Tony Tornado, seu filho Lincoln Tornado, e a lendária Banda Black Rio sobem juntos ao palco de Belém, prometendo um espetáculo que resgata e festeja a essência da Black Music brasileira, unindo gerações em um poderoso show de resistência, arte e orgulho. O show será no Mangueirão, neste sábado (14), na programação do Festival Psica.
Batizado de Black Rio, o movimento deu origem à banda homônima fundada por Oberdan Magalhães, pai do atual líder do grupo William Magalhães. Formada por músicos negros da Zona Norte do Rio de Janeiro, o grupo combinou samba carioca com os grooves do funk, soul e jazz norte-americano, criando uma sonoridade inovadora e atemporal.
Black Power
A estética Black Power, com roupas coloridas e seus cabelos crespos deixados a crescer, mostravam outra forma de ser negro para essa juventude reprimida. Eram anos de contestação nos EUA, eram os anos pelos Direitos Civis liderado por nomes como Martin Luther King, mas também das lutas mais radicais e organizadas como do Partido dos Panteras Negras.
Tornado, ícone da música negra do Brasil, carrega em seus 94 anos de vida uma trajetória marcada por luta, representatividade e pioneirismo. Com sua lendária apresentação de “BR-3” no Festival da Canção de 1970, fez história ao dançar break em uma transmissão nacional televisiva. Não podemos esquecer da interpretação de “Black is Beautiful" de Erlon Chaves, por Elis Regina, que resultou no fim da apresentação na prisão do mesmo Tony Tornado por realizar ao fim da apresentação a posição dos punhos fechados dos Panteras Negras.
Hoje, Tony continua encontrando motivos para comemorar: a chegada das cinco décadas de carreira. O momento não poderia ser mais especial do que poder celebrar ao lado do filho Lincoln e colega de profissão, William, escolhendo um dos palcos, como o Psica, para comemorar sua trajetória e reencontrar os fãs paraenses.
“Tenho certeza que teremos uma grande festa”, afirmou o ator e cantor sobre a expectativa de estar no palco do festival, que este ano se consagra como espaço de protagonismo para a cultura preta e periférica da Amazônia.
Para Lincoln Tornado, seguir o legado do pai é motivo de orgulho e responsabilidade. "Não há melhor forma de conhecer um Estado do que poder se apresentar nele, entregando arte e conhecendo culturas diferentes”, destacou o artista.
Ele também refletiu sobre o papel histórico do movimento Black Rio, criado para dar voz e espaço à população negra. "Esses artistas foram porta-vozes de um povo que buscava respeito, reconhecimento e valorização de sua etnia e cultura", disse.
Lincoln destacou a importância de resgatar o sentimento de pertencimento por meio da arte, algo que ele e os outros artistas buscam trazer para os jovens e adultos negros que participarão do festival. “Eu acredito que hoje o cenário musical está precisando criar mais artistas referência, não apenas aqueles meteoros que passam em busca da fama. Quando olhamos para trás, vemos artistas que usavam sua arte para se manifestar, expor o que pensavam, o que sentiam, e se comunicar com seu público. O sucesso era consequência, como no caso de Fafá de Belém, que leva a vivência e a cultura de sua terra natal para sua música,” afirmou.
Ao participar do festival, William revela que irá confirmar seu compromisso na manutenção dessa luta por reconhecimento e espaço. “Eu fico feliz de ver a história do Psica, que aborda isso com seriedade e valor. Essa luta precisa de apoiadores, e o festival é um exemplo disso, proporcionando essa oportunidade para debatermos essas questões”, declarou o artista.
William também destacou a importância do evento em integrar pautas políticas e culturais com o entretenimento, valorizando artistas locais ao lado de nomes de destaque nacional. “Acho muito bacana essa possibilidade dos artistas locais abrirem shows de pessoas mais marcantes. É uma atitude que não vejo em outros festivais no Brasil, que geralmente focam apenas nos medalhões. Essa interação entre artistas locais e do resto do país promove a cultura de Belém e cria uma fusão honesta. Para a gente, será uma honra tocar em Belém,” disse.
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