COP 30
O pescado é a fonte de proteína animal que emite a menor quantidade de gases do efeito estufa, podendo chegar a 10 vezes menos emissões que a pecuária, e pode até sequestrar carbono da atmosfera. Além disso, o setor pesqueiro é fonte de renda no Brasil para mais de 1,2 milhões de pescadores e 300 mil aquicultores. Na Amazônia, também é importante componente da cultura alimentar e, em comunidades, ajuda na proteção dos rios e florestas.
Diante desses pontos e da forte ligação com o tema climático e o esforço global de mitigação, para reduzir as emissões de carbono, a organização e representantes de associações que participaram do IFC Amazônia assinaram e apresentaram nesta sexta-feira (25), os principais pontos da Carta de Belém, documento que será entregue para a coordenação da Conferência das Partes para mudanças do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorrerá em Belém, em novembro deste ano. Um ponto central é a inclusão da aquicultura e pesca no Fundo Clima como uma atividade de baixo carbono - portanto, com condições de financiamento diferenciado com baixas taxas de juros e prazos alongados. O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima apoia projetos que ajudam o Brasil a enfrentar os efeitos da mudança do clima. Foi criado pela Lei nº 12.114/2009, sendo administrado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Veja o documento mais abaixo, ao final da matéria.
“A aquicultura e a pesca, além de contribuir de forma crescente para alimentar a população mundial, cuja projeção para 2050 é de 9,8 bilhões de habitantes, tem um grande potencial de redução do impacto sobre o clima e na retomada do caminho do desenvolvimento sustentável. Na Amazônia, a produção de pescado é ainda mais relevante e estratégica diante da busca de soluções que conservem a floresta, gerem postos de trabalho e renda para os mais de 30 milhões de habitantes que nela residem. A Amazônia abriga a maior reserva de água doce superficial do mundo, contém espécies com grande potencial aquícola, clima propício o ano inteiro, alto consumo de pescado e familiaridade com a atividade. A Amazônia tem potencial de transformar-se em um grande polo mundial de produção de pescado, mantendo a integridade da floresta", diz trecho do documento.
A Carta também é enfática ao afirmar que “é estratégico investir na produção de pescado como a fonte de proteína de origem animal saudável e sustentável para a Amazônia e para o planeta". Por isso, conforme destacou Altemir Gregolin, presidente do IFC, “direcionar políticas públicas e investimentos internacionais no seu desenvolvimento é a forma mais rápida e eficiente de consolidar uma atividade com potencial gigantesco de produção de pescado para alimentar a população da Amazônia, do Brasil e exportar para o mundo, contribuindo para o suprimento da crescente demanda de pescado", disse.
O documento também foi apresentado por Eliana Panty, CEO da Fish Expo no IFC Amazônia. Ela reforçou que a Carta de Belém traz “um conjunto de propostas consideradas estruturantes e urgentes para promover o desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca no Brasil, em especial na Amazônia", disse. "Não tem como falar deste tema sem envolver o setor da pesca e, especialmente, o setor de pesca da Amazônia nesse debate global e enxergamos como uma oportunidade, mas também uma prioridade", disse.
Programação - O último dia do II IFC Amazônia foi marcado por uma intensa programação de painéis e palestras voltados à valorização da pesca artesanal, da aquicultura sustentável e das políticas públicas voltadas à Amazônia. Os Simpósios Internacionais de Pesca e de Aquicultura reuniram autoridades, especialistas, produtores e acadêmicos, reforçando a importância do diálogo entre saberes técnicos, científicos e tradicionais para o fortalecimento da cadeia produtiva do pescado.
A manhã começou com o painel sobre Gestão comunitária dos recursos pesqueiros – Políticas e resultados dos acordos de pesca, com a participação de Rodolpho Zahluth Bastos, secretário adjunto da SEMAS-PA, que abordou os avanços dos acordos de pesca no Pará, destacando sua relevância para a preservação dos estoques naturais e para o fortalecimento das comunidades ribeirinhas. Em seguida, Ana Alice Oliveira de Britto, da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (AM), compartilhou experiências bem-sucedidas do Amazonas, reforçando a importância da organização social para o sucesso das políticas de gestão participativa.
O debate seguiu com o tema Pesca Sustentável do Pirarucu e Acesso ao Mercado – Como transformar a sustentabilidade da pesca em renda para o pescador, apresentado por Cintia Miyaji, da Paiche Consultoria e Treinamento. Ela destacou o manejo do pirarucu como um exemplo de modelo sustentável que alia conservação da biodiversidade à geração de renda e protagonismo das comunidades tradicionais.
A pesquisadora Cristiane Rodrigues Pinheiro Neiva, diretora-geral do Instituto de Pesca de São Paulo, ministrou a palestra Governança nas comunidades pesqueiras – A construção coletiva do futuro da pesca artesanal, propondo estratégias de governança local e políticas de base comunitária como caminhos para garantir a autonomia e o desenvolvimento sustentável das comunidades pesqueiras.
O painel sobre o potencial da pesca esportiva na Amazônia, com o empresário Eduardo Monteiro, apresentou dados sobre geração de emprego, impacto no turismo regional e desafios para a regulamentação e fortalecimento da atividade como vetor econômico.
Ainda houve a apresentação de experiências exitosas de comunidades pesqueiras na organização e melhoria da renda dos pescadores, trazendo casos inspiradores de empreendedorismo coletivo e boas práticas de comercialização, associativismo e inovação no uso dos recursos pesqueiros.
Na parte da tarde, os olhares se voltaram para a aquicultura com o painel Licenciamento Ambiental com a Nova Política de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura do Pará, com falas de Kleber de Sá Paiva (SEMAS-PA) e Alan Pragana (SEDAP-PA), que destacaram os esforços do governo estadual para tornar o licenciamento mais ágil, participativo e alinhado às características da região.
Yuri de Gennaro Jaruche, da CDIAL HALAL, tratou sobre certificação na produção de pescado, ressaltando a importância crescente da rastreabilidade e da certificação como diferenciais de mercado e exigências cada vez mais comuns, especialmente na exportação.
O professor Giovani Lemos de Melo, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), abordou o tema "Alternativas de agregação de valor em propriedades aquícolas". Ele mostrou como iniciativas de processamento, diversificação de produtos e acesso direto ao consumidor podem melhorar significativamente a renda dos produtores aquícolas.
Mais de 6,5 mil pessoas participaram dos três dias de programação do IFC Amazônia.
CARTA DE BELÉM
Aos Membros da COP 30
2º International Fish Congress & Fish Expo Amazônia - IFC Amazônia
Belém do Pará, Brasil, abril de 2025
A segunda edição do IFC Amazônia aconteceu entre 23 a 25 de abril, em Belém, em conjunto com o Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca, reunindo mais de 5 mil participantes, incluindo pescadores, aquicultores, pesquisadores, empresários, profissionais e organizações do setor, representantes da sociedade civil e tomadores de decisão.
A aquicultura e a pesca, além de contribuir de forma crescente para alimentar a população mundial, cuja projeção para 2050 é de 9,8 bilhões de habitantes, tem um grande potencial de redução do impacto sobre o clima e na retomada do caminho do desenvolvimento sustentável. A produção de pescado, entre todas as proteínas de origem animal, é a que emite a menor quantidade de gases do efeito estufa, podendo chegar a 10 vezes menos emissões que a pecuária, e pode até sequestrar carbono da atmosfera. É também a mais eficiente porque apresenta melhor conversão alimentar entre todas as carnes.
Na Amazônia, a produção de pescado é ainda mais relevante e estratégica diante da busca de soluções que conservem a floresta, gerem postos de trabalho e renda para os mais de 30 milhões de habitantes que nela residem. A Amazônia abriga a maior reserva de água doce superficial do mundo, contém espécies com grande potencial aquícola, clima propício o ano inteiro, alto consumo de pescado e familiaridade com a atividade. A Amazônia tem potencial de transformar-se em um grande polo mundial de produção de pescado, mantendo a integridade da floresta.
É estratégico investir na produção de pescado como a fonte de proteína de origem animal saudável e sustentável para a Amazônia e para o planeta. Direcionar políticas públicas e investimentos internacionais no seu desenvolvimento é a forma mais rápida e eficiente de consolidar uma atividade com potencial gigantesco de produção de pescado para alimentar a população da Amazônia, do Brasil e exportar para o mundo, contribuindo para o suprimento da crescente demanda de pescado apontada pela FAO.
Nesta carta, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da agenda climática e da economia azul, apresentamos aos membros da COP30, um conjunto de propostas consideradas ESTRUTURANTES e URGENTES para promover o desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca no Brasil, em especial na Amazônia. Esperamos que nossa contribuição possa orientar políticas públicas e ressaltar a necessidade de investimentos nacionais e internacionais para o desenvolvimento econômico sustentável por meio da produção de pescado.
1. Inclusão da aquicultura e pesca como atividade estratégica e estruturante para o desenvolvimento da região amazônica, nas ações de governos, órgãos de fomento e órgãos financiadores, como atividade de baixo carbono, para a produção de alimentos e a geração de trabalho, emprego e renda e preservação da floresta
2. Inclusão da aquicultura e pesca no Fundo Clima como atividade de baixo carbono visando o acesso à condições diferenciadas de financiamento e desta forma, impulsionar o seu desenvolvimento.
3. Implementação das seguintes ações estruturantes, alicerçadas em um plano estratégico e de longo prazo, para o desenvolvimento da aquicultura e pesca na região amazônica:
3.1. Inovação e transferência de tecnologia na cadeia produtiva – É necessário incentivar as pesquisas em todos os elos da cadeia de produção para atender as demandas atuais e adaptar-se às mudanças ambientais e climáticas, aumentar a eficiência dos sistemas de produção no uso de recursos naturais, melhorar o sistema de inspeção sanitária e tornar a frota pesqueira mais eficiente. É fundamental transmitir o conhecimento gerado às cooperativas, aquicultores e pescadores fortalecendo a Assistência Técnica e Extensão Rural para aumentar a sustentabilidade do setor.
3.2. Formação e capacitação de recursos humanos e abertura de novas frentes de trabalho – Uma das principais barreiras para o crescimento sustentável da aquicultura e pesca no Brasil, em especial na Amazônia, é a falta de profissionais capacitados para difundir técnicas e sistemas sustentáveis e empreendedorismo. É preciso formar e capacitar técnicos e especialistas que possam contribuir para o aumento da sustentabilidade nos setores aquícola e pesqueiro e da qualidade da produção. Além disso, deve-se promover a valorização do aquicultor(a) e pescador(a), considerando que esses(as) profissionais movem o setor devem receber benefícios em uma política de desenvolvimento sustentável.
3.3. Diagnóstico, ordenamento territorial, gestão e fiscalização dos recursos pesqueiros – O planejamento estratégico de expansão da aquicultura e da pesca deve basear-se em diagnóstico preciso das duas atividades seguido por ordenamento territorial e pesqueiro de modo a garantir a recuperação e perenidade dos recursos naturais necessários para as duas atividades. Esses aspectos devem ser inseridos nos instrumentos jurídicos para implantação de políticas públicas, considerando as características ambientais regionais, os principais mercados consumidores e as rotas de escoamento da produção, de modo a garantir o aumento da sustentabilidade e a redução dos impactos ambientais.
3.4. A sustentabilidade econômica, social e ambiental deve nortear as estratégias de crescimento da aquicultura e da pesca - Para que o serviço ecossistêmico de provisão de alimentos se mantenha ao longo do tempo deve-se implantar práticas sustentáveis de produção, considerando a cultura local e promovendo a inclusão de gênero, raça e idade. Além disso, deve-se incluir a aquicultura e a pesca nas paisagens terrestres e marinhas para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU como metas a serem atingidas até 2030.
3.5. Aumento do investimento na cadeia produtiva e na divulgação dos produtos da aquicultura e da pesca –É importante fornecer acesso ao crédito e a regularização das propriedades. Ainda, é necessário promover estratégias de marketing e de comunicação da aquicultura e da pesca e seus impactos positivos. Na Amazônia, a criação da marca pescado da Amazonia é estratégico para agregar valor ao potencial sustentável desta produção e para que o pescado Amazônico chegue aos grandes centros de consumo tornando-se cada vez mais uma alternativa econômica principalmente para o pequeno produtor.
3.6. Fomentar o associativismo e cooperativismo – Uma das estratégias mais promissoras para viabilizar a produção familiar e ribeirinha é desenvolver a organização em torno do associativismo e cooperativismo como forma de ganhar escala, acessar mercado, facilitar o acesso ao conhecimento, assistência técnica, crédito e adoção de novas tecnologias. As políticas públicas e outros investimentos precisam adotar esta ação como central nos projetos.
3.7. Fomentar uma Indústria forte e competitiva e a permanência do pequeno produtor na atividade – o desenvolvimento da pesca e aquicultura deve ser realizado considerando o fortalecimento de todos os elos da cadeia produtiva. Deve comtemplar os mercados locais, com a implantação de pequenas unidades de processamento, e os grandes mercados nacionais e internacionais, por meio de uma indústria forte e competitiva. Portanto, as políticas públicas e os investimentos no setor precisam criar as condições para o desenvolvimento de uma cadeia de suprimentos forte, arranjos produtivos locais e uma indústria de processamento moderna e efetiva.
Senhores membros da COP30. Estas proposições são URGENTES para estimular o crescimento sustentável da aquicultura e da pesca no Brasil, em especial na Amazônia. A aquicultura com seu potencial restaurativo pode ser integrada à agricultura, de acordo com os princípios da bioeconomia e economia circular, reduzindo o desmatamento nos ambientes naturais e gerando renda para milhares de famílias. De maneira complementar, a pesca pode se beneficiar do grande número de espécies da biodiversidade, passíveis de serem explotadas e do manejo efetivo do ecossistema, reduzindo as pressões nos ambientes aquáticos, gerando alimento e renda.
Dados recentes mostram que o Brasil possui mais de 1,2 milhões de pescadores, 300 mil aquicultores, produziu cerca de 1 milhão de toneladas de pescado na aquicultura e mais de 800 mil toneladas por meio da pesca extrativista, totalizando aproximadamente 2 milhões de toneladas ao ano. Apesar deste volume expressivo, o país ainda possui um enorme potencial inexplorado no setor. Com planejamento estratégico, é possível expandir a produção de forma ambientalmente responsável, socialmente justa, economicamente viável, e com governança compartilhada entre todos os atores da cadeia produtiva.