Artigo
A partir de um único post de Donald Trump, a rotina de quem planta, transforma ou embarca produtos brasileiros ganhou uma incerteza tarifária de 50 %. Em segundos, o café pronto para embarque, a chapa de aço recém-laminada e o contêiner de minério perderam competitividade no principal destino comercial do país. A decisão, pretensamente motivada por solidariedade política a Jair Bolsonaro, transforma um debate jurídico-diplomático em impacto concreto sobre empregos, preços internos e votos em 2026, obrigando governo, setor produtivo e eleitores a repensar o significado de soberania econômica.
A imposição anunciada pelo presidente norte-americano de uma tarifa de 50 % sobre todas as mercadorias brasileiras, com início previsto para 1.º de agosto de 2025, foi divulgada nas redes sociais como resposta ao que ele qualificou de “witch-hunt” (caça às bruxas, em bom português) contra Jair Bolsonaro, ultrapassa o terreno comercial. Ao atrelar o acesso ao maior mercado do mundo a pressões sobre o Poder Judiciário brasileiro, Washington viola o princípio de não discriminação da Organização Mundial do Comércio e reabre tensões em uma relação bilateral historicamente estratégica.
O anúncio também evidencia o desconforto dos Estados Unidos em relação ao avanço do BRICS, bloco que desde 2024 passou a incluir Indonésia e Arábia Saudita. Três dias antes da medida contra o Brasil, Trump ameaçou sobretaxar em 10 % qualquer país “alinhado a políticas ‘antiamericanas’ do BRICS”, sinal inequívoco de receio de que novas linhas de financiamento em moeda local e reformas na governança global enfraqueçam a centralidade do dólar.
A direita brasileira enfrenta um dilema concreto: produtores de café, pecuaristas e siderúrgicas, setores que formam a base eleitoral conservadora, já calculam queda de margem. Enquanto expoentes da extrema-direita, como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, oscilam entre defender Trump e preservar a soberania nacional, governadores e bancadas de centro-direita e direita também se dividem. Aplaudir a medida irrita o empresariado exportador; condená-la pode desagradar eleitores alinhados ao ex-presidente Bolsonaro e ao presidente norte-americano. O impasse ultrapassa o bolsonarismo e enfraquece a coesão da oposição parlamentar.
No tabuleiro eleitoral de 2026, esse choque comercial tende a realinhar forças. A tarifa afeta diretamente o agronegócio exportador e a indústria de base, retirando a extrema-direita de sua zona de conforto econômica. O governo tem a oportunidade de transformar o debate em “emprego versus submissão a interesses externos”. Caso consiga, poderá atrair partidos de centro para uma frente mais ampla em defesa da produção nacional, enquanto candidatos vinculados a Bolsonaro encontrarão dificuldade para explicar o apoio a um líder estrangeiro que prejudica agricultores e operários brasileiros.
Para o governo Lula, a crise reforça a agenda de justiça tributária, que inclui a taxação de grandes fortunas, fundos exclusivos e plataformas digitais. Ela demonstra que potências pregam livre-comércio, mas, ao frigir dos ovos, recorrem ao protecionismo quando lhes convém. Ao apresentar a tarifa como ataque ao emprego industrial e à renda dos trabalhadores, o Planalto mobiliza setores produtivos e reposiciona o Brasil como defensor de regras previsíveis e inclusivas.
Os números confirmam a gravidade do choque. Em 2024 o Brasil exportou 42,3 bilhões de dólares em bens para os Estados Unidos, segundo o Escritório do representante comercial dos EUA; ferro, aço, café, suco de laranja e carne bovina responderam por mais de 60 % desse total. A mera expectativa da tarifa derrubou o real em cerca de 2% e elevou os contratos futuros de café e açúcar em Nova Iorque. Consultorias projetam queda de 0,4 ponto percentual no Produto Interno Bruto brasileiro de 2025 e pressão inflacionária adicional sobre o consumidor norte-americano.
Na Amazônia, o impacto é ainda mais visível. O Estado do Pará exportou 12,8 bilhões de dólares em minério de ferro em 2024, principal item de uma pauta externa que totalizou 23 bilhões de dólares. Se as vendas para o mercado norte-americano recuarem pela metade, a arrecadação estadual de royalties da Compensação Financeira pela Exploração Mineral pode diminuir em centenas de milhões de dólares, montante essencial para infraestrutura e combate ao desmatamento. A contração afeta a cadeia logística de Carajás a Barcarena, que emprega cerca de vinte mil trabalhadores, e pressiona produtos emergentes da bioeconomia, como açaí e cacau de origem controlada.
A tarifa de 50% simboliza um intervencionismo comercial anacrônico. Ao impor sanções unilaterais, com a desculpa de para favorecer um aliado ideológico, Trump expõe a fragilidade jurídica da medida e a incoerência de setores da direita brasileira que, a revelia do seu pretenso patriotismo, hesitam em condenar uma agressão à própria soberania. A resposta progressista consiste em afirmar o BRICS como espaço de negociação capaz de equilibrar o tabuleiro global, sem abandonar parceiros tradicionais, mas rejeitando toda tutela hegemônica e neocolonial.
A crise, contudo, cria uma oportunidade singular. Em novembro Belém sediará a COP 30. Diante dos holofotes internacionais, o Brasil poderá demonstrar que a agenda climática vai além da redução de emissões ao dialogar com diversificação produtiva, financiamento verde e reforma da arquitetura financeira.
Se articular firmeza jurídica na OMC, política industrial ambientalmente responsável, diplomacia multilateral e comunicação transparente, o país converterá a hostilidade externa em vitrine para um pacto que una transição ecológica, cooperação Sul-Sul e superação de um modelo econômico monopolista. Desse modo, a soberania nacional e a Amazônia poderão consolidar-se como pilares de um desenvolvimento sustentável em um mundo genuinamente multipolar.
Patrick Paraense, é publicitário, CEO da Troika Marketing e autor do livro “Esquerda Comunica”.
A opinião publicada neste coluna não reflete, necessariamente, o posiiconamento do portal.*