Arte e sustentabilidade
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A arte que já navegou pelos rios da Amazônia agora atravessa novos territórios. Mais de 500 peças criadas com madeira de embarcações desativadas integram o estande paraense na 25ª Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte), em Olinda (PE). Com formas coloridas, palavras pintadas à mão e muita memória embarcada, as obras contam — em letras — a história de um ofício centenário: o dos artistas que decoram proas de barcos na região Norte do país.
Esse saber tradicional é o foco do projeto “Duletos”, desenvolvido pelo Instituto Letras que Flutuam, sediado em Belém. A instituição surgiu a partir de mais de 15 anos de pesquisa e atua como ponte entre a cultura ribeirinha e o mercado criativo. “A letra decorativa amazônica aproxima as pessoas. Cada peça é uma porta de entrada para o universo dos rios e das comunidades que os habitam”, afirma Fernanda Martins, diretora do Instituto.
Comemorando 25 anos, a Fenearte reúne mais de 5 mil expositores do Brasil e do exterior, movimentando o artesanato como negócio e como expressão cultural. A edição de 2025 homenageia as feiras livres de Pernambuco, com o tema “A Feira das Feiras”, e segue até o domingo (20). É nesse cenário de celebração popular que o Pará firma presença com um acervo que mistura tradição, sustentabilidade e inovação.
Das margens dos rios às vitrines do país
As obras paraenses, feitas com reaproveitamento de madeira de barcos, carregam palavras como “resistência”, “fé”, “alegria” e expressões populares amazônicas. Ao manter viva a tradição dos “abridores de letras”, os artistas envolvidos no projeto não apenas criam peças decorativas, mas também perpetuam uma linguagem visual enraizada na oralidade e na paisagem ribeirinha.
A participação na Fenearte tem gerado resultados concretos. Algumas peças já foram adquiridas por espaços de destaque, como a loja do MASP (Museu de Arte de São Paulo), além de despertarem o interesse de designers, lojistas e influenciadores. “Foi tudo muito rápido. Reunimos dez artistas em pouco tempo, e todos entenderam o impacto de estar aqui. É uma troca rica, que rompe o isolamento do Norte e mostra a potência da nossa cultura”, diz Fernanda Martins.
Para os artistas, a experiência ultrapassa a venda. É também aprendizado e abertura de horizontes. Dois deles, Kekel e Barata, embarcaram pela primeira vez em um avião para participar da feira. “Eles estão aprendendo sobre precificação, logística, formas de pagamento... Isso fortalece o caminho da profissionalização sem apagar a essência popular do trabalho”, explica.
Instalado em um espaço alternativo próximo à entrada da feira, o estande do Instituto convida o público a se aproximar, sentar, ouvir e conversar. “É um lugar mais aberto, mais humano. Estamos conseguindo apresentar a Amazônia ribeirinha a pessoas que nunca ouviram falar em letras que flutuam”, afirma a diretora.
Celebrar esse ofício em um evento como a Fenearte, segundo ela, é um marco simbólico e histórico. “É uma forma de dizer que nossa arte segue viva, navegando por novos caminhos. As letras da Amazônia agora aportam mais longe, mais fortes — e com a visibilidade que sempre mereceram.”