Cultura

Portinari encanta paraenses no Museu do Estado

Cândido Portinari, o artista plástico mais popular do Brasil, em uma carta para o amigo Mário de Andrade, um dos mais importantes escritores brasileiros, registrou uma curiosa definição de si mesmo. “Creio ter pintado fotograficamente o mundo que me rodeia - a gente pobre com os olhos doentes, com a cara estragada, com o corpo deformado. Essa mesma gente se divertindo - se casando, tendo filhos e morrendo. Algumas dessas pessoas também com alguma saúde. Contrastando, fiz gente bonita, com a pele tratada e bem maquiada com produtos da Rubinstein. Crianças ricas e crianças pobres, velhos ricos e velhos pobres”.

Setenta anos depois desse desabafo, a quase 3 mil quilômetros da São Paulo onde nasceu o pintor e justamente na Belém que encantou o escritor, uma das exposições mais importantes já pautadas pelo Museu do Estado revela a precisão daquelas palavras de Portinari. O trecho pinçado das seis dezenas de cartas trocadas entre os dois amigos, na década de 40, ilustra perfeitamente, hoje, o talento, a diversidade e a inquietude presentes nas 57 obras da mostra “Portinari na Coleção Castro Maya”. Visitada por mais de 13 mil pessoas e cerca de 100 turmas de estudantes, a exposição se despede de Belém neste domingo (9), deixando saudades. Em crianças e velhos, ricos e pobres.

Essa mostra é um marco aqui no Museu. Sem dúvida, a melhor que eu já presenciei nos três anos em que trabalho aqui”, entusiasma-se Nilson Damasceno, integrante do time de seis mediadores que acompanham os visitantes, abastecendo-os de informação, tirando dúvidas e também dividindo com eles uma evidente empolgação. “Está tudo perfeito”, emociona-se Nilson, cuja paixão pelo trabalho de Portinari vem dos tempos da faculdade de Educação Artística, quando ele próprio também arriscava alguns óleos sobre tela. Hoje, Nilson já não pinta, mas ensina. Tanto nas salas de aula como também no Museu.

“Os museus deixaram de ser apenas um espaço de contemplação ou um abrigo de peças raras. Hoje o Museu do Estado é um exemplo de como esses espaços também são locais de educação”, define o diretor Sérgio Melo. Ele acredita que a Mostra Portinari conecta Belém definitivamente com o circuito brasileiro de artes. “Ela representa também a democratização da cultura, que é uma política pública do governo do Estado. Esse evento permite que qualquer cidadão tenha acesso a uma obra magnífica”, reitera.

E não faltou gente interessada em conhecer, estudar ou ver de perto o talento de Portinari. Aberta no dia 14 de fevereiro, a exposição alcançou a média de 560 visitantes por dia. “Uma das coisas que mais me chamaram atenção foi ver algumas crianças que foram trazidas pelas suas escolas voltarem dias depois com a família”, relata a mediadora Luciana Akim Vitória. “Isso mostra como todo esse conhecimento está se difundindo em todas as faixas etárias”, anima-se.

No sábado (8), ela presenciou esse fenômeno novamente ao monitorar uma turma do EJA (Ensino de Jovens e Adultos) da Escola Ida Oliveira. “Nós trabalhamos com mais de 60 pessoas de uma larga faixa etária, que vai do adolescente ao idoso”, explica a pedagoga Maíra Nogueira. “Antes de trazê-los, fizemos algumas atividades em sala de aula, inclusive a exibição de um vídeo sobre a vida de Portinari. Isso ajuda a despertar ainda mais o interesse dos estudantes por um universo que normalmente está distante da realidade deles”, afirma.

Não somente deles. Duas das estagiárias que também exercem a função de mediadoras na exposição, Hellen Barreto e Juliana Santiago, confessam que o hábito de ir a museus não fez parte da infância delas. “Além de orientar as pessoas, a gente acaba aprendendo muito também”, conta Hellen. Seu colega Thiago Leite, estudante de Farmácia, sente-se tão bem com esse trabalho que já pensa em mudar de curso. “O Museu do Estado e tudo aqui é muito envolvente”, diz.

Na Mostra Portinari, o envolvimento é tão explícito quanto latente. As pinturas, desenhos e gravuras que ocupam a galeria térrea do secular Palácio Lauro Sodré são também a expressão de uma amizade, tão marcante para o pintor quanto lhe era o apreço de Mário de Andrade, a quem o artista se definiu tão eclético. Coube a outro amigo, Raymundo de Castro Maia, admirador e mecenas do artista plástico, compor um dos mais expressivos acervos de suas obras.

O envolvimento de ambos no cenário intelectual brasileiro, em plena eferverscência do modernismo, permitiu a Maia abrigar as mais diversas facetas de Portinari. Dos impressionantes traços disformes de personagens cativos do folclore brasileiro, como em A Barca, à inquietude presente na obra não figurativa Composição, passando pela alegria misteriosa da série Quixote e até mesmo as linhas clássicas do Retrato de Raymundo Otoni de Castro Maia.

De fato, Portinari pintou o mundo que o rodeava, em todos os sentidos e direções e expressões. E é este universo que está disponível até este domingo em Belém, no Museu do Estado, para quem quiser visitá-lo. Jovens e adultos. Crianças e velhos. Pobres e ricos.


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